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projects ISSN 2595-4245

Introdução Ficha técnica

abstracts

português
Em 1958, Moacyr Moojen Marques planejou com a família a construção de casa para veraneio e finais de semana, no balneário Ipanema, Porto Alegre. Ao longo de meio século a casa passou por duas transformações, com projetos de Sergio Moacir Marques.

how to quote

MARQUES, Sergio Moacir. Uma casa, três projetos, cinquenta anos. A Casa de Ipanema 1958/2008. Projetos, São Paulo, ano 14, n. 168.01, Vitruvius, dez. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/14.168/5358>.


[ficha técnica e projeto intermediário]

No final da década de 1950, Moacyr Moojen Marques (1) planejou com a família, a construção de casa para veraneio e finais de semana, no balneário Ipanema, sul de porto Alegre. O terreno escolhido, em cul-de-sac, no loteamento original do velho Juca Batista, possuía já adulta uma expressiva Timbaúva, decisiva para a opção.

Casa de Ipanema, projeto original, Moacyr Moojen Marques, 1958 [Acervo MooMAA – Moojen & Marques Arquitetos Associados]

O projeto, apesar da singeleza imaginada para um bangalô de madeira de uso sazonal, inseriu-se no desenho despojado das casas racionalistas produzidas na Califórnia nas décadas de 1940 a 1960, emblematizadas pelo Study Cases Houses Program (2) e conectadas ao contexto gaúcho pela via da arquitetura produzida por paulistas como Oswaldo Bratke e a obra de Richard Neutra (3). Notoriamente Craig Ellwood e Ed Killingsworth foram premiados na Bienal de São Paulo de 1953 e 1961, respectivamente. Ainda a revista Pilotis, editada por estudantes do Mackenzie entre 1948 e 1951 (4), era fortemente influenciada pela revista californiana Arts & Architecture, promotora do Study Cases Houses Program, que por sua vez publicou a casa Avanhandava, de Oswaldo Bratke, de madeira, também construída para si, primeiro latino-americano a publicar na revista (5).

A tipologia de casa moderna térrea ladeada por pérgulas e pátios delimitados por muros prolongados, horizontalidade acentuada, planta livre na área social e cozinha americana integrada, recheava o imaginário da classe média da década de 1950, ilustrado com imagens publicitárias da vida moderna, provida de automóveis, televisores, eletrodomésticos e móveis de perna palito. Hugo Segawa descreve as características da arquitetura californiana produzida no período como

“simplicidade de projeto e clareza de raciocínio estrutural, integração espacial interior/exterior com flexibilidade de planta, predominante horizontalidade, luminosidade, ventilação, preocupação com desenho de mobiliário e qualidade de utensílios eletrodomésticos, reorganização dos espaços internos em função da superação de velhos estereótipos domésticos e familiares, a introdução de novos eletrodomésticos transfigurando as funções e os dimensionamentos e a possibilidade de aplicação de métodos construtivos e dos materiais desenvolvidos durantes a guerra, para a arquitetura residencial” (6).

Do modelo norte-americano, a casa de Ipanema ainda é herdeira do racionalismo construtivo condicionado pela estrutura, construída, paradoxalmente, com sistema semelhante ao tradicional norte-americano baloon frame e fechamentos laterais de madeira. O projeto original define um núcleo “molhado” com banheiro, cozinha, área de serviço e paredes de divisa de alvenaria e as fachadas norte e sul, e demais paredes internas, configuradas por um esqueleto de madeira modulado a cada metro e meio e fechamento lateral com tábuas de pinho na horizontal, originalmente à vista, tratadas com verniz. Cobertura de fibrocimento, forrada pelas mesmas peças de madeira aparente. O uso de madeira com tábuas na horizontal faz jus a tradição econômica e construtiva dos chalés de madeira, bucolicamente construídos na zona sul, desde os anos 1940, associados ao uso das telhas de fibrocimento, usado com gosto nas casas modernas a partir dos anos 1950, apreciadas como novo material industrializado.

Chalé em Ipanema, anos 1940
Foto Sergio M. Marques

No final da década de 1980, após usos intermitentes e significativa deterioração, um projeto de renovação transformou-a em residência permanente. A intervenção, além da restauração dos elementos originais como tijolos à vista, madeiras da estrutura, forros, fachadas e esquadrias, agregou nova garagem, área de serviço, banheiro de serviço, ampliação da cozinha e banheiro social. O novo projeto, dirigido por mim, filho caçula de Moacyr Moojen Marques, seguiu a trilha da racionalidade construtiva, modulando os acréscimos construídos, com blocos e cobogós de concreto. Os elementos industrializados brutos deixados à vista contrastam com a calidez da madeira e tijolos, inserindo no ambiente termos próprios do brutalismo paulista dos anos 1950, e/ou da arquitetura produzida na região do Ticino, na década de 1980. A casa original, entre medianeiras, transversal ao terreno, recebeu novos planos de fachada com os elementos de concreto, intermediados por área de transição com as fachadas de madeira originais, restauradas (7). Duas fachadas, duas gerações, duas arquiteturas.

Casa de Ipanema, projeto de Sergio Marques, colaboração de Anna Paula Canez; execução de Sergio Marques, 1989/1992
Desenho Sergio M. Marques

No final da década de 1990, o terreno original foi acrescido com uma fatia de três metros e meio de frente, na face oeste. Nesta parcela anexada, um terceiro projeto determinou a criação de nova garagem, área de lazer integrada à piscina nos fundos, quarto de casal e ateliê. A fatia, no pavimento térreo com planta livre, permite um futuro incremento do ateliê como atividade predominante. No segundo pavimento, quarto e ateliê unidos por passarela, com vazios, favorecem a penetração de luz zenital de sheds, na cobertura. A materialidade e a dimensão tectônica pautam estratégia de projeto e caráter arquitetônico. Na nova divisa oeste, a parede é constituída de lajes de concreto com nervuras colocadas na vertical (Placas PI), sustentando vigas calhas longitudinais e transversais de concreto pré-fabricadas. Junto à casa existente, na estrutura do entrepiso, da cobertura e do fechamento lateral, aço na forma de pilares tubulares, vigas em “I” e tubos de dez por cinco centímetros. Telhas e paredes laterais, com painéis térmicos de aço duplado. A tipologia e conceito da casa pavilhão, com filiação às construções de uso industrial, impõe ao conjunto anterior, elemento principal dominante, mas que segue, principalmente na racionalidade construtiva, a continuidade cronológica.

Casa de Ipanema, projeto e execução de Sergio M. Marques, 2007/2009
Foto Sergio M. Marques

Domesticidade e familiaridade

Moacyr Moojen Marques, no final da década de 1950, casado com Maria Ivone Bianchi Marques, possuía dois filhos: Nadia Maria Marques (1952) e José Carlos Marques (1957). Em 1958, data de realização do projeto da Casa de Ipanema, Moojen, com quatro anos de formado e 28 anos de idade, morava na Av. Senador Salgado Filho, no edifício Nice, ao lado da CRT, em pleno centro de Porto Alegre. Naquela época, já exercia a função de arquiteto e urbanista da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, desenvolvendo na ocasião, dois importantes trabalhos: o projeto arquitetônico do Auditório Araújo Vianna conjuntamente com Carlos Maximiliano Fayet e a participação na equipe de elaboração do Plano Diretor de Porto Alegre, também com Fayet, e outros, coordenado pelo engenheiro Edvaldo Paiva (8). No escritório, Moojen em sociedade com Max Warchawsky, desenvolvia projetos para a Construtora Melo Pedreira, iniciando a carreira profissional (9) assim como ingressava na Universidade para o exercício de dez anos de docência de urbanismo (10).

Este contexto pessoal estabelecia, para Moojen, uma circulação pela área central, entre a Av. Senador Salgado Filho, a Prefeitura Nova onde funcionava a Secretaria do Planejamento Urbano, o escritório, situado onde hoje é o Centro Cultural Santander e a Universidade, realizada predominantemente a pé, em distancias curtas e trechos animados pela vitalidade urbana. O hábito peripatético, jamais abandonado, de pensar caminhando, ganhava contornos. Coincidia, nessa época, animação do centro histórico, local aprazível para a vida social com cinemas como o Imperial, cafés, os magazines como a Casa Masson, o Bromberg, a Confeitaria Colombo, o Clube do Comércio na Praça da Alfândega, o footing da rua da Praia. A fruição da vida urbana em metrópole e centro histórico estava impregnada nas redondezas.

As férias de verão e sugestão do médico da família, face à problemas respiratórios constantes dos filhos, levaram ao aluguel de residência de veraneio, na Av. Osvaldo Cruz, na praia de Ipanema. O bairro, na época, era local de moradia de muitos funcionários públicos aposentados e também, com o estuário Guaíba balneável, lugar de veraneio e finais de semana para uma boa parte da população que não se deslocava ao litoral marítimo em função da distância e os altos custos da época.

A família passava o mês de verão em Ipanema com hábitos de veraneio, com idas diárias à praia e rotina bucólica típica da vida em balneário. Essa experiência e a vinda de um terceiro filho, Sergio Marques (1962), suscitou a idéia de construção de casa para uso nos finais de semana e verão, com mais conforto. Após uma pesquisa inicial, estabeleceu-se contato com parente do Sr. Juca Batista, empreendedor do loteamento original de Ipanema. Através de seu escritório, localizado no mercado público, Moojen analisou um conjunto de terrenos disponíveis, optando pelo da Dr. Pio Ângelo por tratar-se de um cul-de-sac, com a tranqüilidade desejada e pelas árvores adultas, entre elas a Timbaúva majestosa, já com aproximadamente dez metros de altura e quinze metros de copa, localizada em frente ao lote. O terreno, próprio para uma pequena chácara, com vinte e seis metros de frente e trinta e três metros de fundos permitiu o parcelamento em dois lotes apropriados, repartido com o colega arquiteto Nestor Nadruz, sócio na aquisição do lote, realizada em vinte e quatro prestações.

Projeto Matriz

Observações referentes aos chalés de madeira, existentes em abundância, aliadas ao custo inferior da construção em pinho disponível no mercado, contribuíram com a estratégia de projeto e imagem de casa pretendida. De certa maneira o conceito de casa de verão, refúgio da vida urbana em metrópole, esconderijo e posto avançado de contato com a natureza, com caráter de cabana primitiva em ambiente rústico, tem correspondência com o sentido da Cabanon de Roquebrune-Cap-Martin (1952) de Le Corbusier.

A construção, com aproximadamente cem metros quadrados, modesta em termos de escala, foi organizada próxima ao centro do lote, em uma franja de oito metros de largura por toda sua extensão, de divisa a divisa. Uma estreita faixa transversal, dividindo o terreno em duas partes iguais.

Como em outros projetos de Moojen, a opção de recuo frontal generoso, pauta de alguma maneira o senso urbano moderno da cidade jardim, onde o espaço público e a intermediação com as construções, se configura através de área livre frontal qualificada. Na Casa de Ipanema, o recuo de oito metros desde o alinhamento, além de valorizar a frondosa Timbaúva e outras árvores nativas preservadas, em frente ao lote, criou através de pátios, transição entre público e privado, com pátio semi-público, onde estão as árvores e acessos e outro semi-privado, configurado por muros prolongados de alvenarias da casa.

Casa de Ipanema, projeto original, Moacyr Moojen Marques, 1958 [Acervo Moojen & Marques Arquitetos Associados]

Na zona sul, em mais três residências construídas na década de 1960, a casa do Comandante Binz, a Casa de Maurício Sirotsky, e posteriormente na casa de Almir Nácul, nos 1970, o partido em faixa transversal com recuo frontal exuberante, proporcionou o protagonismo das árvores nativas e a celebração da imagem Garden City idealizada junto ao estuário. Também no Clube do Professor Gaúcho (11), de caráter institucional, o recuo de aproximadamente cem metros da avenida e do rio, coloca o instrumento “recuo de jardim”, em escala monumental, concordando a planaridade do terreno com a horizontalidade da edificação térrea, ajustada transversalmente ao terreno. O gesto corajoso e sobretudo generoso com a paisagem, ocasiona perspectivas amplas, desde a rua, neste caso na escala dos palácios governamentais de Brasília, e reserva cenário para figueiras e outras espécimes nativas que se pronunciam sobre a superfície plana da grama.

Clube do Professor Gaúcho, projeto: Moacyr Moojen Marques e João José Vallandro, 1966 [Acervo Moojen & Marques Arquitetos Associados]

No pátio interno da casa de Ipanema, ainda uma pérgula de madeira, apoiada nos pilares duplados da varanda, alcançava os muros fronteiriços – um, continuação da parede de divisa, de tijolos à vista, vazado por tijolos furados, outro solto, plano com reboco texturizado e suporte de escultura metálica – perfazendo entrada coberta por buganville, desde o portão situado no desencontro dos muros).

Casa de Ipanema, pérgula, Moacyr Moojen Marques, 1958 [Acervo Moojen & Marques Arquitetos Associados]

A área de pátio, fronteriço à sala de estar, ficava então desenhada pela varanda da casa e pérgula, em um “L” de espaço sombreado e nas outras faces, os muros. No centro, em desnível desde o acesso e varanda, um quadrado de piso rebaixado, forrado com ladrilhos hidráulicos brancos, luminosos, enchiam o pátio reservado de luz. Lugar de conversas familiares e recepção de visitas no verão, normalmente domingueiras.

Lembranças de vozes, distantes, escutadas por crianças entremeadas com os adultos. Ali, em muitos verões, se encontraram as famílias de Fayet, Araújo e Moojen, planejando a posterior construção do Edifício FAM (1964-1969).

A relação de pátio e sala através de uma porta de folhas triplas, de abrir integralmente e vidros generosos para os padrões da casa, segue o espírito de espaço fluído, com relações de continuidade entre interior e exterior fartamente explorados no Movimento Moderno e na arquitetura produzida pelos europeus migrados para a América do norte em particular. A imagem de pátio como ambiente da sala de estar é emblemática das casas construídas na Califórnia por Richard Neutra como a Casa Tremaine (1947-1948). A noção de organização da habitação fundamentada na relação com o pátio encontra ampla repercussão na história e na arquitetura vernacular. Mies Van der Rohe e sua casa pátio colocaram essa tradição em termos de exploração das relações espaciais entre recintos abstratos, virtualmente definidos por planos contínuos. A primeira Case Study House projetada por J. R. Davidson, em 1946, como uma casa mínima ordena a área de estar, ala íntima e serviços em uma faixa de espaços mais ou menos integrados que intermediam e abrem-se generosamente para pátios. Da mesma forma a Casa Bailey, Case Study House N° 20 (1946–1948), também conhecida como a “casa de quatro pátios”, em compactos cento e vinte e dois metros quadrados arma as funções em seqüência arranjada em faixas desencontradas que se cruzam no miolo, onde estão os cômodos mais compartimentados (área íntima e serviços). Assim as duas alas, em direções opostas, ladeiam quatro pátios designados para celebrações, comidas, jogos e trabalho. A conexão sala de estar e pátio, estabelecida sempre através de ampla transparência e mobiliário de aproximação, como a cadeira BKF de Antonio Bonet Castellano, Kurchan Hardoy e Ferrari. Na Casa de Ipanema, transparência e continuidade se prolongam através da sala de estar interior, organizada em dois ambientes, um voltado à lareira e outro à uma pequena biblioteca, sala de jantar integrada com a cozinha americana, até o pátio dos fundos. Mobiliário de verão, cadeiras com cestos de vime sobre pernas palito e espreguiçadeiras, se deslocavam da frente para os fundos, de acordo com a hora do dia e da confraternização.

Casa de Ipanema, Sala, Moacyr Moojen Marques, 1958 [Acervo Moojen & Marques Arquitetos Associados]

A integração visual da cozinha com a seqüência espacial desencadeada pela conexão pátios e salas de estar, determinante na casa de Ipanema, revela outra condição funcional explorada nas case study houses e, de certa maneira, fetichizada pela classe média norte e sul americana, dos anos 1950-1960. A idéia de modernização, qualidade de vida para todos, disponibilidade de novos recursos tecnológicos, embutida no Movimento Moderno, ademais dos novos atributos espaciais de planta livre, transparência, indistinção, trazia também conceitos modernos da forma de viver e habitar, repletos de novos significados sociais: a extinção da cozinha como espaço de serviço segregado e de menor valor funcional e formal na estrutura arquitetônica da residência, herança de relações sociais entre patrão e serviçais, também em desaparição ou assim desejado. As mudanças de relacionamento e valores da própria estrutura familiar, o câmbio no papel da mulher normalmente gerente das lides domésticas e o homem como agente promotor da sustentação econômica familiar.

Com as mudanças sociais e econômicas, relações entre personagens familiares e espaço de habitação se alteraram. A cozinha e dependências de serviço, normalmente confinadas em compartimentos de retaguarda, integraram-se à espacialidade fluída da casa moderna, exibindo a estética das máquinas e novos eletrodomésticos como artefatos de carga simbólica. As imagens de Le Corbusier nas casas vanguardistas do Movimento Moderno como na Villa Stein ou nos desenhos emblemáticos dos projetos imbuídos de investigação permanente sobre novos modos de vida moderna, como nas maisons montées à séc, são reveladores das novas relações e valores espaciais da casa.

Craig Ellwood, na casa na Bel-Air Road em Los Angeles explora o jogo de transparências e continuidade entre pátios, áreas de estar e cozinha, favorecido pelo sistema construtivo extremamente delgado obtido pela estrutura metálica de secção tubular e amplos painéis envidraçados. A racionalidade construtiva e sinteticidade da construção regida normalmente por estrutura independente, painéis leves de fechamento e paredes divisórias com função de mobiliário, com filiação no movimento De Stjil fazem parte de um corolário intensamente explorado nas casas norte americanas e usado com habilidade na Casa de Ipanema.

O projeto previa os costados de divisa com alvenaria de tijolos, conforme exigido pelas normas e um núcleo central, também de alvenaria, abrigando banho, cozinha e área de serviço externa.Os fechamentos de fachada de frente (sul) e fundos (norte) obedecem uma estrutura modulada em um metro e meio, determinada por caibros de secção oito por oito centímetros com madeira de fechamento posta na horizontal, na face externa, e vertical na interna (12). As demais divisões internas, entre a sala e o quarto de casal e entre os quartos são na verdade armários, prateleiras e gavetas, que oferecem acesso para ambos os lados.

Casa de Ipanema, fachada principal e pátio, Moacyr Moojen Marques, 1958 [Acervo Moojen & Marques Arquitetos Associados]

Essa parede funcional, executada com peças de madeira de construção, por carpinteiros e não marceneiros, evidencia outra faceta da racionalidade construtiva e pensamento racional das casas modernas, especialmente praticado por Moojen em diversos de seus projetos. O mobiliário incorporado à construção, como na casa Schoreder de Ritveld, ou as experiências de paredes funcionais do milanez Gio Ponti, perfaz um raciocínio de economia associado a uma idéia espacial que dá continuidade ao esquema de planta livre e espaço contínuo. A dissolução de paredes stricto sensu em painéis leves, ou mobiliário incorporado, mesmo no caso da lareira incorporada à parede de tijolos, da Casa de Ipanema, como protuberância, torna o espaço menos configurado por seus limites e dota as superfícies de fechamento com função ativa. Moojen explorou fartamente esse recurso, em diversos projetos ao longo de sua carreira. O exemplo mais emblemático é o edifício FAM com Fayet e Araújo, onde balcões de cozinha, armários, roupeiros, mesas e prateleiras, são incorporados a própria construção e, em alguns casos, à estrutura da edificação. Tal roupagem das paredes com utilitários, remete, em determinada medida, ao realismo biológico de Neutra, onde a atenção à cada função e características fisiológicas de cada individuo, são matéria prima para as especificidades do projeto.

O Projeto original da casa de Ipanema, em sua índole de simplicidade e singeleza, revela um espírito que transcende os parâmetros da funcionalidade e economia e vai além, no território da sensibilidade prática e da calidez da moradia familiar. Mas também transcende a própria história familiar, mirando no universal dá vazão a um modo de pensar o espaço e sua construção, perpetuado nas intervenções realizadas na casa de Ipanema posteriormente, e em certa visão do fazer arquitetônico, que por sua vez perfaz legado perene de oficio e formação.

Moacyr Moojen Marques, 1958 [Acervo Moojen & Marques Arquitetos Associados]

notas

1
Moacyr Moojen Marques, nasceu em 01.02.1930 em Lagoa Vermelha – RS. Formou-se em Arquitetura na Faculdade de Arquitetura da UFRGS em 1954. Concluiu o Curso de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da UFRGS em 1960. Foi Arquiteto e Urbanista da Divisão de Urbanismo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre entre 1958 e 1987. No meio acadêmico, foi professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS de 1958 a 1968, exercendo a docência nas cadeiras de Urbanismo e Arquitetura Paisagística. Participou como concorrente ou jurado de diversos concursos profissionais e acadêmicos nacionais e integrou comissões de caráter público e institucional representativas. Possui um vasto currículo de atividades voltadas ao ensino, desenvolvimento e regulamentação da profissão, ao contexto cultural da arquitetura e é autor de uma produção arquitetônica representativa da arquitetura moderna no Rio Grande do Sul e significativa no panorama da arquitetura moderna brasileira. Destacam-se a Sede Campestre e Centro Esportivo do Serviço Social do Comércio (SESC) – Vila Jardim, Porto Alegre, 1956 (em equipe: Arqs João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva); o Edifício Sede da Cia. Carris Porto Alegrense, Porto Alegre, 1957 (em equipe: Arq. Rodolfo Sigfried Matte); a Refinaria Alberto Pasqualini – REFAP/SUPRO (em equipe – Arqs Carlos M. Fayet, Cláudio L. G. Araújo, Miguel Alves Pereira), Canoas- RS, 1962/1968; o Terminal Almirante Soares Dutra –TEDUT (em equipe – Arqs Carlos M. Fayet, Cláudio L. G. Araújo), Osório-RS, 1962/1968; o Auditório Araújo Vianna (em equipe arq. Carlos M. Fayet), Porto Alegre, 1961; Residência Maurício Sirotsky Sobrinho na Rua Gal Ildefonso Simões Lopes, Três Figueiras POA. (Prédio Posteriormente reformado). 1963; a Usina Termoeléctrica de Candiota II – Prédios Industriais e Administrativos, 1965; o Clube do Professor Gaúcho, Porto Alegre, 1966 em equipe: Arqs. João José Valandro e Léo Ferreira da Silva); o Plano Piloto para o Parque Estadual de Itapuã, 1966; a Pescal – Município de Rio Grande – Projeto de Reciclagem de Pavilhão Industriais e Administrativos, 1966; o Projeto de aumento e arquitetura de Interiores do Aeroporto Salgado Filho, 1970; o Prédio Sede da SMOV, Secretaria Municipal de Obras e Viação, Porto Alegre, 1966 (em equipe: Arqs. João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva); o Ed. FAM, Porto Alegre, 1967 (em equipe: Arqs Carlos M. Fayet, Cláudio L. G. Araújo); o Centro de Atividades do SESC, Porto Alegre, 1980 (em equipe: Arq. João José Vallandro); o Projeto para Sede Social do Jockey Clube do Rio Grande do Sul no Bairro do Cristal, (não construído) Porto Alegre, 1980; o Centro de Atividades do SESC, Caxias do Sul, 1985 (em equipe: Arq. João José Vallandro, Carlos Alberto Hubner), o Centro Comercial Nova Olaria e Centro Cultural Loureiro da Silva, Porto Alegre, 1992 (em equipe: José Carlos Marques, Sergio M. Marques, Col. Anna Paula Canez); o Parque Tecnológico da CIENTEC, Cachoeirinha, 1999 (Em equipe:Léo ferreira da Silva, José Carlos Marques, Sergio M. Marques); Restauração do Auditório Araújo Vianna, Porto Alegre, 2010 (Em equipe: Carlos M. Fayet – in memorian- Sergio Marques, Col. Barbara Melo).

2
O Case Study House Program foi um programa de projetos e obras de casas experimentais, promovido de 1945 a 1964, pela revista norte-americana Arts & Architecture, editada por John Dymmock Entenza, um importante personagem cultural da época, objetivando o uso da industrialização na construção, do design total dos componentes e da estética moderna.

3
Neutra, dentre os europeus migrados para a América, seus conceitos de arquitetura biológica, despertou particular interesse entre os arquitetos modernos da segunda geração no sul do país. Em uma viagem à América do Sul, em 1964 esteve em Porto Alegre e realizou palestra na FAUFRGS, em programa articulado pelo IAB-RS, presidido por Irineu Breitman. Do arquiteto, ver NEUTRA, Richard. Realismo biológico. Un nuevo renacimiento humanístico en arquitectura. Buenos Aires, Nueva Vision, 1958. Sobre o arquiteto, ver LAMPRECHT, Barbara. Neutra, Colônia, Taschen, 2004.

4
Jorge Wiheim, Roberto Carvalho Franco, Carlos Milan e outros editores da revista, eram, contemporâneos à geração de Moojen. O Mackenzie, escola onde também se formou Oswaldo Bratke, sempre foi escola de grande prestigio, entre os gaúchos e no restante do país, principalmente pela formação técnica de seus egressos.

5
Edição de Outubro de 1948. Oswaldo Bratke era assinante da revista e visitou a editora em sua primeira viagem aos EUA, quando também visitou um modelo de casa para a classe média, de Marcel Breuer em exposição no Museun of Modern Arts de Nova York. Ver SEGAWA, Hugo. DOURADO, Gulherme Mazza. Oswaldo A. Bratke. Projeto, São Paulo, 1997.

6
Ibid, p.25.

7
Ver MAHFUZ, Edson. Casa de Ipanema. In KIEFER, Flávio, LUZ, Maturino, MARQUES, Sergio. Casas Internacional Brasil Meridional. Buenos Aires, Kliczkowski Publisher, ASPPAN CP67, 1998, p. 14, 15, 16, 17; MAHFUZ, Edson. Residência em Ipanema. O clássico, o poético e o erótico e outros ensaios. Porto Alegre, Cadernos de Arquitetura Ritter dos Reis, n. 4, Editora Ritter dos Reis, 2002.

8
Edvaldo Ruy Pereira Paiva (1911-1981), Engenheiro Civil – UFRGS (1935), Urbanista e Arquiteto Paisagista – FA-Montevidéu (1943). Urbanista da Prefeitura Municipal de POA (1935-60), Professor Catedrático de Urbanismo na UFRGS (1946-1964), criou o curso de especialização em urbanismo da UFRGS (1947), Diretor do Depto. de Investigações do Instituto de Urbanismo da FA – Montevidéu (1965-1971). Moojen ingressou na carreira pública em 1956, convidado pelo antigo professor Edvaldo Pereira Paiva, após ter recusado o primeiro convite em prol da carreira de arquiteto autônomo. Aceitou, no entanto integrar a equipe de detalhamento do pré plano diretor elaborado por Paiva e Ubatuba de Farias, em 1954, em tramitação na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, naquela oportunidade. Já integravam a equipe Carlos M. Fayet e Artur Veroneze, futuros colegas de docência de urbanismo na UFRGS. Moojen foi arquiteto e urbanista da Divisão de Urbanismo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre entre 1956 e 1987, ocupando os cargos de Chefe do Setor de Planejamento Urbano – SMOV, Chefe da Secção de Planejamento Urbano – SMOV, Gerente de Projetos Urbanos – SPM, Supervisor de Planejamento Urbano – SPM, Secretário Substituto – SPM e integrando a equipe para os projetos de urbanização da Praia de Belas (1956), da Av. Primeira Perimetral (1958), Plano para Área Central de Porto Alegre, Plano Piloto para o Parque Saint’Hilaire, Plano de Reurbanização da Ilhota, entre outros, e o Plano Diretor de Porto Alegre de 1954. Coordenou os trabalhos em equipe das extensões A, B, C e D do plano diretor, instituído pelos Decretos nos 2.872/64 – 3.481/72 e 4.552/72 e 5.162/75 em 1964, 1967, 1972 e 1975. Foi Gerente do "PROPLAN", programa de reavaliação do Plano Diretor do qual resultou, o 1o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (1o PDDU) – Lei Complementar no 43/19 em 1979.

9
Desenhista profissional com formação no Parobé, que havia trabalhado em Israel, aos moldes dos antigos projetistas que desenvolviam projetos para as construtoras antes da consolidação da profissão de arquiteto. Tendo casado cedo e tido filhos ainda estudante, Moojen trabalhava fazendo perspectivas à tempera para vários arquitetos, principalmente Emil Bered, trabalho que lhe rendeu contatos e uma sólida relação profissional com a Construtora Melo Pedreira onde conheceu Warchawsky.

10
Paiva, que havia participado da criação do curso de pós-graduação em urbanismo no IBA, criou um novo na Faculdade de Arquitetura, deslocando-se ele próprio e Fayet para a pós-graduação e convidando Moojen para substituí-lo, junto à Veroneze, no ensino de urbanismo da graduação. Logo a seguir Marcus Heckman foi convidado por Paiva para integrar a equipe e posteriormente Cyrilo Crestani. Moojen entrou na universidade conjuntamente com Cláudio L. G. Araújo que foi atuar em Pequenas Composições e juntos, no mesmo dia, dez anos depois, saíram definitivamente da Universidade, descontentes com o meio acadêmico aviltado pela ditadura militar e contaminado por teses que desvalorizavam o projeto de arquitetura como meio de ação.

11
Clube do Professor Gaúcho, Arqs. Moacyr Moojen Marques e João José Vallandro, Av. Guaíba n.12060, POA, 1966.

12
O sistema de encaixe entre as tábuas horizontais, favorece o escoamento d’água, criando uma pingadeira entre cada tábua. A madeira na horizontal, favorece também a manutenção e substituição, em caso de apodrecimento, que normalmente ocorre de baixo para cima.

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MOOJEN, Moacyr Moojen. Entrevista com o autor. Porto Alegre, mar 2007.

TECTONICA MONOGRAFIAS DE ARQUITECTURA, TECNOLOGIA Y CONSTRUCCIÓN n. 1. Envolventes (I) Fachadas Ligeiras, Madrid, ATC Ediciones, 1995.

TECTONICA MONOGRAFIAS DE ARQUITECTURA, TECNOLOGIA Y CONSTRUCCIÓN n. 2. Envolventes (II) Cerramientos Pesados: Aplacados y Paneles, Madrid, ATC Ediciones, 1995.

TECTONICA MONOGRAFIAS DE ARQUITECTURA, TECNOLOGIA Y CONSTRUCCIÓN n. 3. Hormigón (I) “in situ”, Madrid, ATC Ediciones, 1996.

TECTONICA MONOGRAFIAS DE ARQUITECTURA, TECNOLOGIA Y CONSTRUCCIÓN n .5. Hormigón (II) “Prefabricado”, Madrid, ATC Ediciones, 1996.

TECTONICA MONOGRAFIAS DE ARQUITECTURA, TECNOLOGIA Y CONSTRUCCIÓN n. 2002. Acero (I), Madrid, ATC Ediciones, 1996.

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