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PASSARO, Andrés Martín. A descoberta de uma geração perdida. Resenhas Online, São Paulo, ano 02, n. 016.02, Vitruvius, abr. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/02.016/3217>.


“...o desvanecimento da dimensão sensitiva, no começo dos anos sessenta do século XX, a favor de um conceitualismo estéril seria uma das causas profundas dos descaminhos da arquitetura mundial nas últimas décadas” (1).

No mínimo chama a atenção o fato de um arquiteto espanhol, dono de um dos repertórios mais importantes de obras de arquitetura de Barcelona (Escritório Piñón-Viaplana), e professor Catedrático da ETSAB (2) se desloque para o Brasil com o fim de produzir um livro sobre a arquitetura brasileira de Paulo Mendes da Rocha (3).

Ainda que o nome de Helio Piñón possa passar despercebido para nós, devemos destacar o autor pelos seus escritos teóricos, que de alguma maneira sempre reverenciaram as possíveis novidades e variantes do Movimento Moderno.

Os dez anos como ativo e entusiasta editor da revista ArquitecturasBis (1974-1985), junto a figuras como David Mackay, Oriol Bohigas, Rafael Moneo, Josep Quetglas, Lluis Domenech e Tomas Llorens, entre outros, foram os de uma busca desenfreada para desvendar os rumos do que poderia ter sido a quarta geração da arquitetura moderna, quarta geração que na realidade nunca aconteceu, principalmente por causa dos desvios deste “conceitualismo estéril” apontados na primeira citação. Não podemos negar que numa primeira fase a ArquitecturasBis se encontrou no olho do furacão que originou o próprio conceitualismo, dando espaço no seio da Revista à personagens tão dispares do pensamento atual de Piñón como Peter Eisenman, Robert Venturi, Aldo Rossi, Vittorio Gregotti, Juan Pablo Bonta, Joseph Rykwert, Charles Jencks, Alessandro Mendini, Robert Stern, Kenneth Frampton, Leon Krier, Alberto Sartoris, Mario Gandelsonas, Anthony Vidler, C. St. John Wilson, Tomás Maldonado, Gae Aulenti, Manfredo Tafuri, Francesco Dal Co, Paolo Portoghesi, Vittorio Magnago Lampugnani, Josef Kleihues, Alan Colquhoun, Richard Meier, Eduardo Subirats, Enric Miralles, Colin Rowe...

A Bienal de Veneza de 1980 produz uma ferida profunda neste caldo de cultivo do que poderia ter sido a continuidade do Movimento Moderno, mas que na realidade foi o início da amarga pós-modernidade. O contraponto foi a exposição organizada em Paris por Paul Chemetov “La Modernité: un project inachevé” . Esta discussão traz não só o dilema passado/futuro, como também a diferenciação dentro desta própria “modernité” dos que optam por uma vanguarda separada dos ideais do Movimento Moderno e daqueles que pretendem como Piñón retomar a causa perdida das vanguardas lá atrás, no ponto de inflexão em que o Movimento Moderno deixou de ser uma questão heróica. Nos três últimos anos da Revista esta procura se torna evidente, pois se privilegia um resgate dos principais personagens do Movimento Moderno: Mies, Le Corbusier, Kahn, Sert, Gaudí. Também se torna evidente que os movimentos que iriam desencadear a indicação de Barcelona para sediar as Olimpíadas lotam de projetos os escritórios da cidade, deixando em segundo plano os trabalhos da Revista. O último número foi o 52, publicado em 1984.

Os fundamentos desta possível quarta geração Piñón os procurou incansavelmente e o seu adiantado livro (me refiro à época) Reflexión histórica de la arquitectura moderna, de 1981, é uma tentativa de encaixar o que já começava a se manifestar como uma dispersão de posturas arquitetônicas dentro de alguns e possíveis ideais do Movimento Moderno. Na atualidade, Piñón se manifesta claramente contrário ao conceitualismo da autonomia, da abstração formal, da deconstrução, da arquitetura significativa e da semiologia que tão em voga estiveram naquela época, e que ele levantou perfeitamente nos seus escritos. Porém demorou um tempo para o autor perceber que o conceitualismo fundamentado no pensamento estruturalista de Lévi-Strauss era o vértice oposto da fenomenologia perceptiva de Merleau-Ponty e que os mecanismos dos jogos estruturalistas buscavam, na realidade, um esvaziamento do fenômeno perceptivo. Este seu primeiro livro da história reflexiva é hoje de uma clarividência e atualidade assustadora, porém precisaram passar vinte anos para ele se tornar compreensível. O livro ficou encalhado em pilhas de caixas no Departamento de Proyectos da ETSAB e Piñón ainda hoje o oferece como presente aos seus estudantes de doutorado.

Esta necessidade de descobrir essa quarta geração heróica fez Piñón, num período histórico conflitivo como os inícios dos 80, a se apressar em lançar o seu livro La Arquitectura de las neovanguardias (1984). Nele, o autor nos apresenta os escritos e as obras de Eisenman, Rossi e Venturi como as novas atitudes vanguardistas a serem tomadas pelos jovens arquitetos. Não podemos negar, pese aos seus erros decorrentes da pressa em diagnosticar uma situação recente, que cabe a Piñón o lugar de um crítico de peso, “um topógrafo”, mapeando sempre os rumos da arquitetura da atualidade, ainda que seja um intento seletivo de uma corrente da arquitetura. Me refiro a aquela e só aquela arquitetura que “supostamente” retomaria em parte alguns dos ideais heróicos do Movimento Moderno.

Não está claro o momento exato em que Piñón tomou consciência de que nenhuma destas “neovanguardas” levaria a sério ou se colocaria à altura do Movimento Moderno. Nem em que momento se deu conta de que o mecanismo estruturalista não era uma bóia que iria sustentar esta quarta geração perdida e sim um peso que iria afundar qualquer tentativa de resgate. O niilismo começou a se fazer patente e este pensamento impedia qualquer resgate. Creio que este entendimento e desencanto de Piñón não foi muito além da metade da década de 80. Em algum momento destes anos, o autor jogou a toalha e voltou lá atrás, antes dos desvios, antes das perversões, para buscar as origens das vanguardas e tentar entender os seus possíveis pressupostos na atualidade.

As aulas que Helio Piñón ministra no curso de doutorado de projetos é um reflexo destas preocupações comprometidas, desta crítica apaixonada e claramente tendenciosa. Ortega y Gasset, Le Corbusier, Ozenfant, Mondrian, Van Doesburg, Kandinsky, Apollinaire, Braque, Gleizes, Malevich, Adorno, Panovsky, Wörringer, Wölfflin, Riegl, Hildebrand, Fiedler. Cada nome uma aula, cada aula um mergulho nas premissas do Movimento Moderno, sua teoria, sua pintura, sua escultura, sua arquitetura, a literatura, o cinema e a fotografia, sempre abordados sob o ponto de vista da estética, do viés perceptivo, da busca do essencial, existencial e da descrição fenomenológica. Dentro desta perspectiva nada mais justo do que colocar El sentido de la arquitectura moderna como nome ao seu livro de 1997. A percepção e a pura visibilidade se manifestam como sentidos, como sensações, como coisas do coração que superam a razão, ou o intelecto, a mente e as idéias. Uma critica de novo apaixonada, porque ela é sensual, e não intelectual, e que vai se manifestar com a sua maior intensidade em 2002 nas fotografias que compõem o livro de Paulo Mendes da Rocha, tiradas pelo próprio Piñón.

Olhando o livro vi por várias vezes a cara de Català Roca com sua erótica arquitetônica, e os seus sensuais enfoques, sempre buscando no alto contraste preto e branco a idéia de figura/fundo, ou daquela espacialidade que se revela ao olho como um vestido transparente. Aos poucos, com o passar do tempo fixo, aquele tempo de demora sobre a imagem. Buscar nela, na foto, um não-sei-o-que que a faça chegar às suas entranhas, agora com a missão de também esvaziar desvios conceituais, idéias e intelectos subjetivos. A obra sempre é um artefato, que nos brinda com sensações.

Retomando a idéia inicial do texto, temos que nos perguntar: por que Paulo Mendes da Rocha?

Penso que Helio Piñón vê no autor aquele elo perdido, aquela quarta geração que estava buscando nos 80 e que somente foi descobrir em 2000 num país marginal, depois de ler os textos de Josep Maria Montaner sobre o arquiteto brasileiro. Paulo Mendes da Rocha encaixa exatamente naquilo que Piñón estava buscando desde o início de sua carreira, uma mistura de modernismo heróico, com pureza minimalista, uma arquitetura que nos fala, e que só pode ser apreciada unicamente a partir de sensações. Mas principalmente, uma arquitetura que pode ser apontada como alternativa válida ao ainda vigente “conceitualismo estéril”. Paulo Mendes da Rocha é desta maneira utilizado como modelo para se tornar, desde um país periférico como o Brasil, um instrumento de oposição ao pensamento estruturalista que fundamenta este conceitualismo estéril.

Outra questão, que parece ser a mais delicada. Piñón distingue claramente os desvios conceituais, e propõe uma releitura da estética de vanguarda. Mas e o Paulo Mendes da Rocha? Será que ele propõe a mesma releitura desta mesma estética, sem ter passado nem ele nem o Brasil pela crítica conceitual?

O pensamento estruturalista passou de longe nas discussões da arquitetura brasileira, quiçá porque “o antropólogo Levi-Strauss detestou a Baía de Guanabara”. O caso é que, para Piñón, Paulo Mendes da Rocha representa aquela quarta geração perdida do Movimento Moderno que não aconteceu. Um ícone, um exemplo a ser seguido.

O índio que Lévi-Strauss visitou nos seus Tristes Trópicos foi aquele ser primitivo que não tinha tido ainda contato com o homem ocidental, e que não estava contaminado com os seus costumes nem muito menos com as suas idéias. Uma situação que nesta época só poderia acontecer no Brasil.

Os paralelos, ainda que grotescos, existem. Esta arquitetura brasileira que Piñón resgata é especificamente a do Paulo Mendes da Rocha “solo” e que representa aquela arquitetura que não foi contaminada nem com as idéias, nem com o pensamento estrutural. Se há algum lugar no mundo em que o estruturalismo não se manifestou na sua arquitetura, este lugar é o Brasil. E foi no Brasil “a-estrutural” que Piñón encontrou a manifestação mais pura do seu discurso.

Quase 35 anos depois que Lévi-Strauss chegou ao Brasil, podemos assegurar que o pensamento estruturalista na arquitetura em pouca coisa ajudou, coisa que Piñón tinha claro desde o começo. Não há espaço neste começo do século XXI para o devaneio conceitual. O Século se apresenta neste primeiro momento como erótico, sensual e perceptivo, quase primitivo, exatamente como há 100 anos atrás.

Sem dúvida que no cenário internacional atual a técnica venceu a idéia do conceitualismo, mas isto não sucedeu ignorando o conceitualismo e sim o superando. Foi, e ainda é necessário o entendimento do pensamento estrutural para poder retomar uma crítica consciente. A fenomenologia, após o estruturalismo, nunca será a mesma. Sucede igual que na música, o rock ficou velho, mas a música nunca será a mesma depois dele. Percebemos assim um crescimento intelectual maior do que o pensado.

O Brasil foi descrito (fenomenologicamente) durante séculos. Precisamos parar, analisá-lo (estruturalmente) e voltar a descreve-lo. Uma antropofagia fenomenológica é o nosso próximo dever de casa.

notas

1
Sobre a postura do arquiteto espanhol Helio Piñón em Paulo Mendes da Rocha Romano Guerra Editora. São Paulo 2002, contracapa.

2
Escola Técnica Superior de Arquitectura Universidad Politécnica de Catalunya.

3
Piñón Helio. Paulo Mendes da Rocha. Romano Guerra Editora. São Paulo 2002.

[leia também, sobre o livro de Helio Piñón: "Um olhar intensivo", de Renato Anelli]

sobre o autor

Andrés Martín Pássaro é professor FAU/UFRJ - PROARQ.

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Paulo Mendes da Rocha

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