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D'AGOSTINO, Mário. Aurora paradisíaca do homem e da arquitetura. Resenhas Online, São Paulo, ano 03, n. 027.01, Vitruvius, mar. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/03.027/3196>.


Joseph Rykwert nasceu em Varsóvia em 1926. Aos quatorze anos de idade seguiu para a Inglaterra, aí realizando seus estudos de arquitetura na Bartlett School e na Architectural Association School. Foi professor do Royal College of Art de Londres, onde obteve seu título de doutor em 1970, e das universidades de Essex e Cambridge, estabelecendo-se nos Estados Unidos em 1988. Além de intensa participação em revistas especializadas de arquitetura (Forum, Domus etc.), ministrou cursos na Alemanha, Itália e França, dentre outros países. Atualmente leciona História da Arte na Universidade da Pennsylvania (com o título honorífico de “Paul Philippe CretProfessor of Architecture”), tendo sob sua responsabilidade a coordenação do curso de pós-graduação em arquitetura.

Suas publicações, numerosas, surpreendem pela abrangência dos temas e ousadia de investigação. A cidade na Roma Antiga, os arquitetos do século XVIII, expoentes da arquitetura moderna, urbanismo, arte contemporânea, muitos os assuntos a que se tem dedicado. E ainda: com N. Leach e R. Tavernor, empreendeu uma cuidadosa tradução do tratado de arquitetura de Leon Battista Alberti (MIT/Cambridge, 1988); com A. Engel, foi curador do catálogo de exposição sobre o mesmo arquiteto, realizada no Palazzo Te em Mântua (Olivetti/Electa, 1994). Membro da Société Internationale Leon Battista Alberti, Rykwert integra o conselho editorial da revista Albertiana, criada em 1998. Dentre seus títulos mais recentes, além da monumental The Dancing Column (1996), sobressai o estudo sobre os destinos da cidade contemporânea, intitulado A Sedução do Lugar. História e Futuro da Cidade, lançado no Simpósio “A Cidade do Amanhã. História e Prospectivas da Arquitetura e do Urbanismo no Alvor do Século XXI”.

Estes dados são suficientes para ilustrar a fortuna – e urgência – da presente edição, a disponibilizar em língua portuguesa uma obra de indubitável destaque no elenco de publicações do autor. Joseph Rykwert, é de todos sabido, está entre os maiores historiadores da arquitetura.

São peculiares as circunstâncias nas quais A Casa de Adão no Paraíso conquista divulgação entre nós. Publicada em 1972 pelo Museum of Modern Art de Nova Iorque, com traduções para o espanhol (1974), o francês (1976) e o italiano (19??), sua circulação junto aos meios universitários cedo assinalou orientes novos para o ensino de história da arquitetura. Por uma parte, ajudou a esmaecer o veio formalista ainda preponderante na historiografia brasileira e brasilianista (recorde-se que A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil, de Germain Bazin, teve sua primeira edição em português na década de 80); por outra, revigorou os estudos sobre a chamada tradição clássica. O cuidado do historiador com os tratados, escritos de arte, obras de estética, manifestos, em suma, com o universo literário da arquitetura, avizinha-o desde logo àqueles autores notabilizados por reunirem à seiva da vie des formes o éter da vie des idées. Nesse diapasão, entretanto, que se tome como exemplo a obra paradigmática de Rudolf Wittkower e logo se evidenciará a insígnia própria que Rykwert imprime a seus estudos.

A Casa de Adão no Paraíso ganha forma num intricado contexto de significados. Para compreendê-los em seu devir temporal o historiador recorre múltiplas vias: o Livro Santo e outros escritos sagrados, obras de arquitetura, práticas construtivas, ritos, procissões religiosas... a pouco e pouco, vemo-nos absorvidos no próprio caminho. Qual o seu sentido para aquele que o persegue? À guisa de prólogo, reúno aqui alguns apontamentos sobre essa trajetória, a qual, creio, adita novos encantos ao livro que o leitor tem diante os olhos.

Primeiro, e em contraponto às afirmações iniciais, o presente livro denota tal senso de atualidade, tal vitalidade, que se distancia em muito dos estudos “estritamente historiográficos”. Em 1965, ao término de um ensaio sobre a origem da coluna coríntia no limiar do século IV a.C. (reunido em The necessity of Artifice,1982), Joseph Rykwert justificava-se pelo tom da escrita e a atitude antiacadêmica então adotada, esclarecendo: “antiacadêmica porque – e aqui o leitor poderá sentir-se no direito de exigir desculpas por ter sido enganado – esse é um artigo não sobre arquitetura antiga, mas sobre arquitetura moderna”. Olhos dirigidos à casa adâmica, o leitor advertirá a mesma atenção para com o moderno, ou antes, o presente, a perpassar toda a sua obra.

Talvez o fascínio da escrita de Rykwert resida mesmo nesse “rito de passagem” a que convida o leitor, nesse consignado exercício de dispor-se “no limiar”, como que reanimando o semblante de Jano. Limiar entre o antigo e o moderno, o passado e o futuro... entre a recordação e a promessa, para concluir com suas palavras. Nesta divisa, A Casa de Adão no Paraíso ocupa posto privilegiado. Patente já na abertura do livro, o interesse pela arquitetura moderna é aí constante, e alcança significação plena nas páginas que ultimam o estudo. Mas não cabe antecipar uma trajetória cuja força está propriamente em ser percorrida; compete, sim, ressaltar o lugar da presente obra no quadro de uma produção intelectual de maior amplitude.

Por certo, muitas das questões que ora se perfilam à luz de uma aurora paradisíaca comparecem também no centro das indagações e preocupações de Joseph Rykwert com os caminhos seguidos pela arquitetura nos nossos tempos. Em seu livro sobre “os primeiros modernos” (The First Moderns. The Architects of the Eighteenth Century, Massachusetts 1980), a definição dos fundamentos absoluto e arbitrário da arquitetura – igualmente abordados no terceiro capítulo deste livro – faz proêmio ao sinuoso percurso que leva à Jacques-Nicolas-Louis Durand e ao seqüente menoscabo dos valores formais em detrimento de uma concepção arquitetônica “em termos de análise estrutural e composição geométrica”. Recorde-se, nesse viés, A Necessidade do Artifício, conjunto de artigos engajados na revisão do racionalismo moderno – o título, não menos expressivo, insinua-se como jogo de palavras a nos endereçar, uma vez mais, aos divisores entre necessidade e convenção, positivo e arbitrário, que balizam a obra presente.

Tal diligência com os problemas da forma, com “a natureza de nossas respostas a um mundo de artefatos, o modo como grupos e comunidades se apropriam do espaço” (Os Primeiros Modernos), coliga-se a outro interesse, comprometido com as disputas em torno à cabana primitiva. São uma constante na obra de Joseph Rykwert as reflexões sobre a significância dos adornos e revestimentos, dos ornamentos da arquitetura. No ano em que vem à luz sua Adam’s House o historiador organiza uma importante seleção de textos sobre Adolf Loos (Milão, 1972); três anos depois, Ornament is no Crime (“Ornamento não é delito”, artigo reunido em A Necessidade do Artifício) parafraseia o polêmico manifesto do arquiteto austríaco. Em 1974 participa do Simpósio sobre Gottfried Semper realizado em Zurique, com um estudo sobre a contribuição do arquiteto para a concepção de estilo. Por fim, – e para maior brevidade –, recentemente volta à cena em Ri-vestimento (co-autoria de M. Wigley e G. Malossi, 1998). Elenco suficiente para pôr-nos em sentinela. No campo da cabana, acendem-se calorosas querelas: Riegl, Semper, Perrault, Blondel, Laugier, Lodoli, Piranese... Também aí, o empenho do historiador em recompor uma trajetória coaduna-se ao de desvencilhá-la dos juízos positivistas e psicológicos que guarnecem a arquitetura moderna.

As formulações clássicas da psicanálise têm notórios influxos sobre o estudo do ornamento. O vaticínio de Loos é exemplar: “Toda arte é erótica. A primeira obra de arte, a primeira atividade artística que o artista rabiscou na parede foi para se despojar de seus excessos.” Nessa linha, a evolução cultural eqüivale à erradicação da ornamentação, e “pode-se medir o grau de civilização de um país pela quantidade de rabiscos que se encontra nas paredes de seus banheiros”. Convém deter-se brevemente sobre o argumento. Ornamento e Delito opera uma reviravolta nas interpretações do ornato. Para Semper o ato primordial de adornar o corpo resultava de um “instinto” próprio ao sentido de beleza, “requeria primeiro a participação ativa do sentimento estético”; em Riegl, por sua vez, o foco recaía na “intenção” que motiva o primitivo a um desenho “cuja finalidade não pode ser outra que ornamental, puramente artística.” Loos não dá margem a dúvidas, a solução do ornato reclama um só veredicto: trata-se de “extravasar” sentimento (e não só o “estético”). Ora, em seu livro sobre a idéia de cidade no Mundo Antigo (The Idea of a Town, Londres 1976) Rykwert contesta enfaticamente argumentações similares. Em 1909, em um conjunto de conferências sobre psicanálise, Sigmund Freud propõe a interpretação dos monumentos da cidade como “paradigma de histeria” – grosso modo, o citadino aferra-se aos monumentos como o neurótico às lembranças (ou o delinqüente aos rabiscos eróticos). Em mais de um lugar o historiador assinala os limites dessa diagnose de “casos patológicos”.

É bem verdade que o repúdio de Loos passa longe das generalizações que, com freqüência, se lhe imputam (“nunca tenho afirmado, como sustentam até o absurdo alguns puristas, que se deva abolir o ornamento sistematicamente e de forma conseqüente”). Mas cabe insistir sobre tal aspecto psicológico, pelo evidente motivo de que as considerações de Rykwert em A Idéia de Cidade fazem eco às palavras de A Casa de Adão no Paraíso dedicadas ao estudo dos ritos (e não só ao das tribos seminômades da Austrália central, à pintura de corpo e à waninga como objeto ritual). Primordial à constelação dos trattati, o solar dos ritos deslinda profícuos horizontes para se repensar quais desígnios a arquitetura risca, num tempo em que “temos perdido todas as singelas certezas acerca da forma em que funciona o universo”. Em seus significados simbólicos os ritos cingem questões de fundo da arquitetura, e de seu sentido nos dias de hoje.

Eximindo-se da reconstituição arqueológica de um original, como o da construção em madeira para o templo dórico, este livro mantém em mira segue os vestígios de um protótipo, cuja imagem se delineia com um gama de significações históricas. Certo, voltando-se para a idéia, não basta o esquadrinhamento da primeira casa com o aparato conceitual, é salutar, lembra o historiador, abeberar-se noutra fonte, anterior, onde se “rememorava a sua forma e natureza mediante cerimônias e ritos de povos que, todavia, uns ainda chamam de primitivos”. A observação dos ritos é um distintivo de nosso autor. Por seu intermédio o leitor haverá muitas vezes de se impressionar com a ausência de um nítido divisor de águasentre os dois leitos, entrevendo continuidades, permanências de posturas, de aspirações que dissipam os limites estanques entre Razão e Mito. Ainda, no enredo dos ritos e cerimônias religiosas, sequer competirá o garimpo de visões turvas, que, presume-se, apenas em estágios evolutivos posteriores virão conscientemente articuladas, trazidas à plena luz. “A consciência de questões bastante complexas”, escreve Rykwert, “não necessariamente implica uma capacidade para articulá-las.” Que se recorde Aby Warburg: “a substituição da causalidade mitológica por aquela tecnológica – diz na conferência sobre os índios Pueblo do Novo México (1923) – elimina o temor experimentado pelo homem primitivo. Mas não nos sintamos muito seguros em asseverar, sem mais, que liberando o homem da visão mitológica se possa verdadeiramente ajudá-lo a dar respostas adequadas aos enigmas da existência. (...) tenho dúvidas de que isso faça justiça à magnífica alma dos índios, ancorada, por assim dizer, em uma visão poético-mitológica.” Tais palavras fiam a sorte de A Casa de Adão no Paraíso.

Aquém do Éden, a “primeira casa” perfila-se na divisa entre a idéia e o ideal. Guardadas as precauções, é sugestivo aproximar tal prospecto àqueles concebidos sob inspiração platônica. Como um “modelo” a iluminar atitudes, cânones artísticos, léxicos e sintaxes formais, ele reacende antigas suspeitas: mero simulacro ou paradigma legítimo, jogo de ilusão ou ascese, depuração fenomênica ou princípio metafísico, imanência ou transcendência – para repor a fórmula clássica: eîdos ou eídolon? A nós, ao fim e ao cabo, apresenta-se como subterfúgio desnecessário, ou não?

Que fique em suspenso o seu destino, insuspeito é o solo onde principia. Desejos, temores, aspirações... aí têm vida os “modelos”, as “idéias”, aí perfilam-se intenções e significados superlativos na forma como os homens organizam seu espaço vital, seja uma simples cabana ou uma grande cidade. Reiteremos: um só fio une este livro às invectivas do historiador contra Durand ou os urbanistas que consideram a cidade “exclusivamente pela perspectiva da economia, da higiene, dos problemas de tráfego ou dos serviços”. Aqui como alhures os olhos dobram sobre um presente no qual “os espaços psicológico, cultural, jurídico ou religioso não são tratados – lê-se no exórdio da Idéia de Cidade – como outros tantos aspectos do espaço ecológico”.

Última observação, ao resguardo das objeções a uma historiografia empenhada fundamentalmente na compreensão dos significados ou semântica das formas. Sobre esse mundo simbólico, onde Rykwert transita como poucos, este livro tem muito a nos dizer.

[o presente texto é o prólogo à edição brasileira]

[leia também "Zevi e Rykwert: messianismo, misticismo e paixão arquitetônica", de Roberto Segre, sobre o livro de Joseph Rykwert]

sobre o autor

Mário Henrique Simão D’Agostino, doutor, é professor de História da FAU-USP

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A casa de Adão no paraíso

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