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SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Arte como resistência. Resenhas Online, São Paulo, ano 05, n. 056.03, Vitruvius, ago. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/05.056/3133>.


O lançamento no Brasil da tradução da obra de Giulio Carlo Argan, Projeto e destino, merece ser festejado, ainda que aconteça com atraso de quase 40 anos em relação à primeira edição italiana. Historiador e crítico de arte, nascido em Turim em 1909, Argan morreu aos 83 anos de idade deixando vasta obra de reflexão sobre a arte, o design e a arquitetura. E, ao eleger a cultura como objeto privilegiado da sua reflexão, passou a se interessar especialmente pelas cidades, considerando-as como obras de arte, ao mesmo tempo suporte da memória dos homens e objeto da sua ação transformadora.

Outra obra de Argan editada no Brasil em 1992, História da arte como história da cidade, traz algumas dessas reflexões que anteciparam e sucederam sua experiência como prefeito de Roma (1976-79), quando teve a oportunidade de se confrontar, na prática da gestão, com os desafios mais complexos e instigantes que poderiam ser lançados por uma cidade a um administrador que, antes de tudo, era um historiador.

Projeto e destino reúne sua produção anterior através de 29 ensaios escritos entre 1930 a 1964, que resumem o pensamento de Argan sobre a cultura durante a Segunda Guerra e no imediato pós-guerra, celebrando o homem como o centro da história da arte e da história da cidade. Leitura referencial bastante oportuna em um momento brasileiro de “despertar”, geral e até consensual, para a necessidade da recuperação e revitalização das nossas cidades, em particular de suas edificações e tecidos históricos. Ao longo dos textos, Argan ressalta a necessidade de conservação das obras de arte, a cidade entre elas, de forma a não separá-las da vida nem arrancá-las da consciência dos homens. Segundo ele, o centro de uma cidade, entendido como uma realidade histórica, com conteúdo social e pluralidade de funções, não pode ser imobilizado, nem agredido fisicamente, nem mesmo violado em suas funções, e sim deve sempre ser tratado como a obra de arte que de fato é. E recomenda: “o dever dos arquitetos que elaboram um plano diretor para uma cidade [...] é considerar o problema do conteúdo urbano na profundidade e na estratificação da sua história e não apenas na superfície das exigências atuais” (em A Cultura das cidades).

Esse recorte da produção extremamente erudita do estudioso e professor mantém uma característica intrínseca a toda sua produção: o enraizamento no momento histórico específico e o tom profundamente crítico. Assim, a leitura de cada um desses ensaios nos remete a uma instigante operação “arganiana” de compreensão da dimensão conceitual esboçada assim como de sua condição histórica específica. Esse deveria ser o filtro para se entender a negação incondicional, quase emocional, da “vulgaridade despropositada da edilicia (sic) fascista” em Eliante ou da arquitetura, (arquitetura que hoje, tomado o devido distanciamento, é merecedora de importantes estudos) assim como entender suas considerações paralelas sobre a arquitetura moderna racionalista dos arquitetos Giuseppe Pagano (morto em um campo de concentração), Giuseppe Terragni e Edoardo Persico (vítimas precoces de doenças contraídas durante a guerra), cujas obras Argan acompanha com interesse de historiador, dialogando com os autores nas páginas da revista de arquitetura Casabella. Mesmo recusando sequer considerar a arquitetura italiana oficial do fascismo, o crítico Argan não deixa de valorizar a arquitetura racionalista de seu país situando-a no contexto internacional da discussão “entre as duas instâncias de superação do racionalismo do pós-guerra”. Este diálogo com seu tempo se dá em textos de caráter geral, e em conversas mais diretas com críticos, artistas e intelectuais como Cesare Brandi em Arquitetura e Ideologia e “Eliante” ou da arquitetura, Bruni Zevi em Arquitetura Orgânica e em A propósito de espaço interno, Henry Hope Reed em A “terceira pilhagem” de Roma, Ernesto Rogers em A igreja de Ronchamp - Le Corbusier.

A especificidade desse debate que prevaleceu no meio arquitetônico italiano no pós guerra, contrapondo modernidade / tradição e estética / ideologia, demorou a ser compreendida pela crítica internacional em toda sua dimensão histórica e regional, retardando assim o estudo e o reconhecimento de uma produção artística de extrema importância, conforme reconhece em 1984 Jean-Louis Cohen em seu estudo pioneiro “La coupure entre architectes et intelectuels, ou les enseignements de l´italophilie.

Merece menção ainda, mesmo não estando incluído nessa obra como um dos interlocutores diretos de Argan, o arquiteto Manfredo Tafuri, seu aluno e discípulo. O trabalho fundamental de estudo e crítica desenvolvido por Tafuri no Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza a partir do final dos anos 1960 dá continuidade à reflexão de Argan, particularmente às idéias contidas nos textos reunidos nesse livro. Para chegar à proposta de uma nova relação entre arquitetura e urbanismo, e aprofundar as discussões sobre ideologia e estética na produção arquitetônica, questionando o discurso dominante na história da arquitetura produzida, também na Itália, por autores como Bruno Zevi e Leonardo Benévolo, os intelectuais de Veneza, inclusive Manfredo Tafuri, não poderiam ter deixado de mergulhar em textos como Sobre o conceito de tipologia arquitetônica, A arquitetura moderna ou Arquitetura e Ideologia.

Para os estudiosos da arquitetura moderna no Brasil, os ensaios críticos reunidos em Projeto e Destino têm uma importância particular. Sintetizam as idéias que perpassam um dos momentos mais fecundos da criação arquitetônica nacional e são bastante esclarecedores quando se trata de localizar a polêmica de Lucio Costa e Oscar Niemeyer com a crítica internacional nos anos 1950 - Walter Gropius, Max-Bill e Ernest Rogers – quando discutiram sobre a validade das formas orgânicas presentes na arquitetura de Niemeyer a partir dos projetos elaborados para o conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte e mais tarde para a Casa das Canoas. Também são importantes como referência para a discussão sobre estética e ideologia que está na origem da arquitetura moderna produzida em São Paulo a partir de meados dos anos 1950.

Argan se demora discutindo e contrapondo especialmente duas correntes históricas da arquitetura moderna, a racional e a orgânica.

Através da análise da arquitetura racionalista européia produzida na época, entre os anos 1940-1950, e de estudos sobre as obras de arquitetos como Le Corbusier, Walter Gropius, Marcel Breuer, Pier Luigi Nervi, Mies van der Rohe, Theo van Doesburg, do grupo De Stijl, bem como através da análise de trabalhos desenvolvidos segundo uma linha mais orgânica, especialmente aqueles de autoria do arquiteto americano Frank Lloyd Wright, Argan levanta, ao longo dos 29 textos reunidos no livro, as questões que dilaceraram uma época: universalismo ou regionalismo? Europa ou América? “projetos utópicos de reforma” ou “duros compromissos de luta”? ideologia ou poesia? arte ou indústria? rigidez geométrica ou organicidade? ciência ou tecnologia? projeto ou destino?

E se finalmente perguntássemos a Argan “para quem”, ou “contra que” se projeta, a resposta poderia ser encontrada no artigo que deu nome à publicação: “contra a especulação imobiliária e as leis ou as autoridades que a protege; contra a exploração do homem pelo homem; contra a mecanização da existência; contra a inércia do hábito e do costume; contra os tabus e as superstições; contra a agressão dos violentos; contra a adversidade das forças naturais; sobretudo projeta-se contra a resignação ao imprevisível, ao acaso, à desordem, aos golpes cegos dos acontecimentos, ao destino [...] projeta-se para a revolução, contra todo o tipo de conservadorismo”.

Hoje, nesse início de um século XXI super-moderno dominado pela apatia e pela banalização do conhecimento, de todos os aspectos que poderiam recomendar a leitura de uma coletânea de textos clássicos, com quase 40 anos, marcos referenciais no estudo da arte e da arquitetura, talvez os mais importantes fossem: sua audaciosa juventude; seu apelo revolucionário; sua incitação à tomada da palavra como arma para a defesa e transformação da arte (e do mundo), através de um trabalho reflexivo, sobretudo crítico, e da corajosa intervenção na realidade.

Observação: é uma pena que um livro de tal importância tenha sido tão maltratado pela tradução, com certeza sem revisão por parte da editora. O belo texto de Argan e a nossa língua portuguesa não merecem este tratamento. Nem nós leitores.

[resenha publicada no momento do lançamento do livro no Brasil, 2000, no Caderno Cultural do jornal Gazeta Mercantil]

sobre o autor

Cecília Rodrigues dos Santos, arquiteta, doutoranda pela FAU-USP. Foi superintendente regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN – e coordenadora do Núcleo de Arquitetura do Centro Cultural São Paulo. Membro do Conselho do Museu da Casa Brasileira e da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura – CNIC. Professora e pesquisadora da FAU Mackenzie. Colabora com diversas publicações no Brasil e no exterior. Entre outros livros, é co-autora de Le Corbusier e o Brasil (Tessela/Projeto, 1987), De Santos a Jundiaí: nos trilhos do café com a São Paulo Railway (Magma, 2005) e Fanucci-Ferraz – Brasil Arquitetura (CosacNaify, 2005).

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Projeto e destino

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