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Localização das praças analisadas por Sun Alex [livro resenhado, p. 127]

abstracts

português
Sun Alex estuda, neste livro, seis praças – Largo do Arouche, Praças Dom José Gaspar, Júlio Prestes, da Liberdade, Santa Cecília e Franklin Roosvelt –, projetos de matriz norte-americana, que nega o espaço de convívio

how to quote

OLIVEIRA, Carlos Alberto. A praça no centro do debate. Desenho social, político e cultural. Resenhas Online, São Paulo, ano 10, n. 110.02, Vitruvius, fev. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/10.110/3866>.


Praças, parques e jardins no contexto dos centros urbanos remetem diretamente às questões do espaço público e da vida pública, que por sua vez, nos dizem sobre acessibilidade e apropriação desses espaços que são concretos e referem-se à política e a cultura. A praça no Brasil caracteriza-se como espaço público, coletivo e multifuncional. É um elemento urbano que identifica e contribui para organização do espaço da cidade a medida em que acesso livre e possibilidade de convívio social são instituídos.

Em Projeto da praça: convívio e exclusão no espaço público (2008), Sun Alex, doutor em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) faz uma análise de seis praças localizadas na cidade de São Paulo, relacionando a influência do paisagismo norte-americano no desenho dos espaços públicos brasileiros. Propõe, com lucidez, alternativas para ampliação de uso, acesso e integração com o entorno.

Em sua pesquisa, pressupõe “que o convívio social no espaço público está intimamente relacionado às oportunidades de acesso e uso” (p. 126), e exerce procedimentos habituais do ofício de arquitetos, urbanistas e paisagistas, incluindo pesquisa histórica, análise do contexto, levantamento da situação existente, observação de usos, identificação de conflitos entre projeto e uso, elaboração de alternativas e verificação de propostas. O autor deixa evidente a importância instrumental do uso do desenho e da fotografia para registro e reprodução, e como fonte para reflexão sobre usos e acessos atuais, entorno e tecido urbano, projeto e não conformidades das praças analisadas, para possibilitar a representação de suas propostas alternativas de intervenções que visam melhorar os aspectos negativos das praças analisadas.

Especialista em paisagismo e com experiência profissional fora do Brasil, Alex recorre à história para evidenciar a importância política e social da praça pública em relação aos jardins tradicionais e aos parques modernos. Por isso, cabe destacar o elaborado estudo da evolução e concepção de praças no continente europeu e norte-americano que perpassam os três primeiros capítulos que discutem o conceito de praça; a noção de espaço público como algo inerente à praça; a ênfase na ecologia em detrimento da preocupação com a sociabilidade.

Alex Sun entende que os espaços públicos são adaptáveis, e concorda que seus atributos são aqueles que têm relação com a vida pública, como o lugar da sociabilidade e do exercício da convivência, e que o espaço público deve ser visto como um conjunto indissociável das formas assumidas pelas práticas sociais. Corrobora com a tese de Whyte (1) de que os fatores determinantes do sucesso de um espaço são o acesso e as opções para sentar-se e chama atenção para um equívoco nos projetos de praças a respeito dos limites tênues do seu caráter público e funcional em relação aos parques e jardins, estes últimos ligados historicamente ao entretenimento e à contemplação.

Dentre seis praças estudadas – Largo do Arouche (adaptação do jardim público do início do século XX), Praças Dom José Gaspar (concluída em 1944), Júlio Prestes (1999), da Liberdade (1975), Santa Cecília (1983) e Franklin Roosvelt (1970), a última pode ser o exemplo que mais evidencia para o leitor alheio o impacto da influência do paisagismo norte-americana que desvirtua a praça como espaço de acessibilidade e convívio social, revelando concepções de projeto que não preservam as características fundamentais dos espaços públicos brasileiros como uso coletivo e multifuncional e de um espaço que, ao longo do tempo, sofreu com sucessivas intervenções oficiais precarizantes. O autor denuncia, ainda, que a maioria das praças contemporâneas cujo projeto moderno é baseado na matriz norte-americana encontram-se em situação deplorável de conservação, podendo ser consideradas anti-sociais ou “antipraças”.

O problema da transferência de modelos também é tratado como um aspecto negativo por Alex, que reconhece que as praças públicas referem-se as características singulares de cada cultura urbana. A praça, a partir do renascimento, tem seu destaque como lugar multifacetado nas principais cidades européias. A piazza italiana, a plaza mayor espanhola e a place royale francesa estabeleceram-se como importantes modelos de praça do século XVII, e ainda são referências de espacialidades públicas apropriadas por planejadores, que por muito tempo têm dispensado características da praça ligadas a função e cultura em detrimento da morfologia.

Em parques sem cidade, Alex mostra como praças, ruas, jardins e parques refletem o ideal de vida urbana das sociedades européias. Entre os séculos XVI e XVIII, estes espaços seriam dispostos a contemplação, cercados do caos e desordem da cidade que se transformava ao revés da idéia de cidade como virtude desenvolvida com o iluminismo. Por isso, nas plantas dos parques a cidade não era representada.

No século XIX, o paisagismo e a configuração dos espaços públicos seriam fortemente influenciados pela perspectiva inglesa de relação com a natureza, que considerava os parques públicos como uma contribuição para civilizar e refinar o caráter nacional, fomentar o amor pela beleza rural e aumentar o conhecimento e o gosto por árvores e plantas raras e belas. A industrialização das cidades européias trouxe a concepção de cidade como vicio, fortemente impactada pela pobreza e violência que estavam ligadas as aglomerações insalubres de trabalhadores. Como bem apontou o historiador Carl E. Schorske, a cidade expressava aquela nostalgia pela vida rural que iria caracterizar o pensamento inglês sobre a cidade (2). É nesse contexto que o “grande parque público urbano passou a ser a resposta lógica às condições ambientais degradantes das cidades industriais bem como um componente do planejamento das cidades do século XIX” (p. 68)

As cidades norte-americanas no contexto do século XX despertariam o interesse de interventores urbanos que, com propostas de planejamento original e identitário, criariam configurações dos espaços livres distintas das européias. Nesse ponto, a singularidade do espaço público norte americano refere-se diretamente à cultura daquele povo. E aí que a pesquisa de Alex nos induz de maneira muito positiva a pensar os espaços públicos de São Paulo e do Brasil a partir da nossa cultura latina.

A interpretação da paisagem americana inicialmente “via o paraíso na terra abençoada pelo Criador”, passando a lugar do progresso e do trabalho e, finalmente, a local de “refinamento e civilidade” (p. 84) e de revigoração física e moral. A monumentalidade de suas cidades, com distancias multiplicadas e processo de suburbanização e automobilização da sociedade fizeram com que os locais públicos assumissem suas características: necessidade de deslocamento e distanciamento da vida pública. Nos é revelado, ainda, como a ideologia americana tratou o espaço como valor utilitário e de mercado, e como território onde a civilização deveria permanecer sobre a natureza, cujo modelo prevaleceriam o indivíduo e a paisagem recriada no isolamento.

O processo de suburbanização nos estados unidos e o desenvolvimento do paisagismo moderno que exerceu influência nas praças brasileiras foi desencadeado a partir da segunda guerra mundial com programas governamentais que incentivaram uma ocupação territorial extensa. Um exemplo teria sido programas como o Federal-Aid Highway Act que previa a construção de rodovias para promover a descentralização urbana e incentivar o uso do automóvel.

No mesmo período os shopping centers já ocupavam uma função de destaque na vida social norte-americana: importantes para uma vida suburbana onde as famílias eram distantes umas das outras e distantes do centro, estes espaços foram substitutos das funções dos espaços públicos tradicionais e tornaram-se espaços de convívio para família norte americana. A privatização da vida pública mantinha a proximidade com o universo domestico, e o desuso das praças refletia a dependência de espaços privados para a prática da vida pública. Ao mesmo tempo, os grandes parks integravam a formação cultural e a transformação das cidades estadunidenses atendendo apenas as demandas funcionais dos espaços públicos que mantinham o caráter utilitário do parque picturesque do século XIX.

A influência do paisagismo americano estaria evidente nas praças com seu uso social deficitário, cujos projetos dissimulam a separação entre público e privado. As mudanças estilísticas nestes espaços evidenciaram a perda de “publicidade”, já que a apropriação de modelos não seria compatível a uma experiência de vida pública nas cidades latinas, sobretudo nas cidades brasileiras, que têm a praça como elemento multifuncional. A denúncia referida a projetos paisagísticos que produziram praças mais fechadas ao acesso público e restritas ao uso coletivo, mostram a perda das funções essenciais originais do espaço público - convívio social e articulação do tecido urbano – que não são casos existentes apenas em São Paulo.

A partir dessas considerações, Sun Alex retoma a praça em um campo específico do conhecimento - arquitetura e urbanismo - enfrentando a questão de um limite espacial das cidades, que também é um desafio epistemológico para diversas outras áreas do conhecimento. Embora todos reconheçam a dimensão polissêmica do termo espaço público e sua importância para vida social, a defesa do equilíbrio entre função, forma e cultura no projeto da praça brasileira é devidamente tratada nesta obra, e pode servir de referência para as outras áreas que questionam a formação de nossos espaços.

notas

NE
A publicação em Vitruvius aconteceu em maio de 2011, em procedimento de acerto da periodicidade da revista Resenhas Online.

1 WHYTE, Willian H. The social life of small urban spaces. Washington, The Conservation Foundation, 1980.

2
SCHORSKE, Carl E. Pensando com a história: indagações na passagem para o modernismo. São Paulo, Companhia das Letras, 2000, p. 57.

sobre o autor

Carlos Alberto Oliveira é bacharel e licenciado em História, mestrando no programa de pós-graduação da Unicamp na linha Cidade, cultura e patrimônio.

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