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Sylvia Ficher, arquiteta e historiadora da arquitetura, denuncia o termo “fake news” lançando a campanha “Para que neste 1ode Maio nossa história não se torne um grande 1ode Abril...”

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FICHER, Sylvia. Basta! Sem essa de feiquinius. Para que neste 1º de Maio nossa história não se torne um grande 1º de Abril.... Resenhas Online, São Paulo, ano 19, n. 221.01, Vitruvius, maio 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/19.221/7728>.


1º de Maio, 2020

Quando uma coisa acontece sempre, não por isso seja considerada natural. Não deixe nada ser considerado natural em uma época de maldita confusão, desordem ordenada, capricho planejado, e humanidade desumanizada, para evitar que todas as coisas sigam inalteráveis.
Bertolt Brecht, A exceção e a regra, 1930.

O assunto da hora que está incomodando muita gente são as tais das fake news, ou melhor, as feiquinius. Daí esta diatribe nesse momento de tensão ocasionada não só pela pandemia, mas principalmente pela conjuntura política. Mesmo assim, uma tentativa de tratar de forma ligeira uma denúncia exasperada, nada serena.

Basta! Sem essa de fake news. São notícias falsas. São notícias mentirosas.

De princípio, fica o alerta: aqui vamos abusar do Volp, apelido do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, para garantir a ortografia e do Houaiss para pacificar questões etimológicas e semânticas.

As línguas não param quietas (olha o duplo sentido, Sylvia), se mexem pra lá e pra cá, estão sempre se renovando. Palavras são inventadas diariamente, nenhum problema, nada grave. Afinal, se diariamente surgem novidades, e elas têm que ser batizadas... Há inúmeros exemplos: sapatênis (ô, palavrinha feia), videoconferência, prótese de silicone, ressignificar (tão nova que nem consta no Volp e no Houaiss), realidade fluida, SUV... Sem contar aquelas palavrinhas que mudaram de sentido: orgânico, que queria dizer mecânico, virou... orgânico. Pensemos também nas gírias, mal aparece um termo novo e é rapidamente aceito, entra para o linguajar sem nem nos apercebermos.

E há ainda os estrangeirismos, hoje em dia predominantemente ingleses, mas os franceses já estiveram au courrent, abandonados, tadinhos, por up-to-date. Até pinta (gíria pode, liberadas pelo Houaiss...) aqui e ali um germanismo, tipo Brasilien uber alles.

Nada contra a incorporação de termos estrangeiros na linguagem, seja popular, seja culta. Futebol, lembrem-se, vem de football, obviamente bola no pé, o que dá ludopédio. Já pensaram, assistir uma partida de ludopédio? Muito devido a mudanças culturais e políticas, é assim que a banda toca, conforme simpática expressão recentemente incorporada ao linguajar. O que explica a longa hegemonia do latim desde a Antiguidade romana. Talvez o fator mais preponderante seja o tecnológico, veja-se a importância do espanhol na era dos descobrimentos: grande número de termos náuticos até hoje em uso vêm do castelhano, vêm da poderosa Castilla.

Hoje os anglicismos imperam, dada a hegemonia de origem dos americanos na informática e a difusão universal de computadores, com seus hardwares & softwares. Será que em breve estaremos incorporando palavras de alguma das línguas chinesas, talvez do mandarim?

Que um apagar vire deletar, é um tanto confuso, me lembra delatar, mas é latim castiço: deletum, deleatur. Já delivery – se bem que se poderia manter o tradicional entrega em domicílio – tem um sentido que me parece evidente: delivrar, se livrar de algo... E não é que temos em português os temos delivramento e delivrança; respectivamente “período do parto que vai da saída do feto à expulsão da placenta” e “ato de dar à luz um novo ser”. Ou seja, entrega em domicílio, nos braços da mãe!

Escâner e escanear entraram para o vernáculo, e com razão, afinal se trata de um novo equipamento. Como já está disponível scanner, pra quê parir ou delivrar outra palavra, se temos a ótima alternativa da adoção? Ao invés de empregar um aparelho de varredura eletromagnética, escaneemos... Check in e check out são expressões econômicas para explicar ações bem mais complexas. Bem-vindas!! Idiotismos – não confundir com idiotices – também dão graça à língua.

Dentre essas expressões importadas há aquelas provavelmente incompreensíveis para muitos lusófonos, como home-office, o hoje popular romi-ófissi, o banal trabalho em casa. Ou escritório no lar, que até soa poético para os workaholics: office, sweet home; escritório, doce lar.

Um exemplo disso é o tal do restaurante self service. Que diabos é isso de restaurante self service? Nem todos chegaram à simples tradução: restaurante de autoatendimento, restaurante sem garçon – que na Lusofolândia (inventei agorinha!) deu num galicismo e virou garção e ainda se desdobrou em garçonete. Por sorte, escapamos de waiter, palavrinha irritante, esperador (essa eu não inventei, tem no Volp). Continuemos com esse exemplo porque ele traz uma metamorfose linguística instrutiva: para fazer sentido, self service na Brasilândia (estou inspirada!) virou serve-serve, e agora descobrimos que temos que nos virar sozinhos se não quisermos morrer de fome. Na ausência de um maitre d', para não sermos prosaicos com um simples cozinheiro, por que não um chef de cuisine serve-serve ou um master chef serve-serve?

Por fim, não se deve esquecer que algumas palavras ficam um tanto ultrapassadas. Telefone já ficou velha, teve até que ser adjetivada telefone fixo, porque levou um chega pra lá do celular, palavra cuja relação com telefone portátil é técnica: móvel ou mobile seriam bem mais evidentes. Personalizar virou customizar, retroprojetor sumiu de vez, agora é data show, e assim por diante...

Infinitos são os exemplos de novidades e descartes na fala e na escrita... Até aqui, tudo isso é folclore (atenção, folklore), é divertido, lava a alma (que estranho idiotismo) de pernósticos bilíngues e trilíngues (tá no Volp, mas não no Houaiss) que se acham superiores aos coitados dos monolíngues (tá no Houaiss, mas não no Volp).

Porém há expressões malévolas, cuja adoção cheira a má-fé. É o caso de fake news, as ubíquas feiquinius. Será que o seu sentido é evidente para todos nós, pobres lusófonos? Será que tá todo mundo sacando (mais uma gíria liberada pelo Houaiss) que se trata de notícias falsas? Ou, se quisermos ser moderninhos, de um caó? Ou, para darmos a devida ênfase ao real significado: notícias mentirosas?

Por favor, não entendam que eu seja contra estrangeirismos. Porém é inaceitável essa tal de feiquinius que só serve para acobertar de muitos de nós, falantes do português, a imensidão de mentiras sendo divulgadas a cada minuto, 24/7, por todas as medias, ou melhor, por todos os meios de comunicação hoje tão disponíveis e acessíveis.

Feiquinius não é um mero eufemismo – tipo defecar, pois se por delicadeza evitarmos cagar, precisamos, e muito, de um eufemismo para não findamos constipados. Feiquinius é uma baita enganação, uma baita manipulação. Feiquinius encobre e mascara um ato, esse sim, muito feio: a divulgação de mentiras.

Basta! Sem essa de fake news. São notícias falsas. São notícias mentirosas.

A última flor do Lácio é bela, talvez inculta, porém por demais rica para a atual conjuntura. Agradecida, thanks, Houaiss:

Fake news acaçapa, abonança, abranda, amaina, amansa, ameniza, amortece, apazigua, aquieta, assossega, atenua, camufla, comede, desapoquenta, desassombra, diminui, disfarça, dissimula, edulcora, encobre, mascara, minora, mitiga, modera, pazigua, reduz, sonega a verdade.

Não vamos amordaçar, bridar, calar, cercear, coarctar, coibir, comedir, conter, domar, dominar, embargar, embridar, enfrear, frenar, limitar, moderar, recalcar, refrear, represar, restringir, retundir, sofrear, sopear, sopesar, sopitar, sufocar, sujeitar, suster, tolher a verdade.

Usar a expressão fake news é atraiçoar, burlar, calotear, defraudar, disfarçar, embaçar, embromar, embrulhar, embustear, empulhar, engambelar, engodar, engrupir, falsear, fintar, fraudar, iludir, ilusionar, intrujar, lograr, ludibriar, mentir, tapear, trair, velhaquear a verdade.

Basta! Sem essa de fake news. São notícias falsas. São notícias mentirosas.

sobre a autora

Sylvia Ficher é arquiteta (FAU USP, 1972), obteve o Master of Science in Historic Preservation (Columbia University, 1978), doutora em História Social (FFLCH USP, 1989), pós-doutorado em Sociologia (École des Hautes Etudes en Science Sociales, Paris, 1992). Professora emérita e pesquisadora sênior da Universidade de Brasília, autora do livro Os arquitetos da Poli.

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