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PÉREZ PIÑEYRO, Maria del Pilar. Um olhar desde a península. Pela recuperação do território original da Cidade Velha de Montevidéu. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 014.05, Vitruvius, jul. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.014/868>.

A condição peninsular da Cidade Velha de Montevidéu – definindo em conjunto com o cerro, o traçado da baía –, e o planejamento territorial de uma cidade território, condicionaram a natureza de um local fechado com muralhas, que estabeleceu desde as suas origens, vínculos cotidianos com a topografia externa, definido lugares e traçados vigentes na estrutura da cidade contemporânea. Os registros gráficos da colônia e os do início da república, apresentam um perfil de um cenário urbano definido por um núcleo de cidade consolidada e o de sua paisagem circundante. Após os anos de progresso urbano (1730-1930), a Cidade Velha inicia um processo de degradação nas primeiras décadas deste século. Mudanças similares começaram a ser registradas também naqueles territórios, com os quais compartilhou a hegemonia: a Baía, a costa de la Aguada e os vales de seus riachos (principalmente o do riacho Miguelete). Montevidéu consolida desta forma seu desenvolvimento e extensão sobre a costa sudeste da cidade.

Em 1980, no momento em que a degradação passava por seu estado mais crítico – gerado por um indiscriminado boom da construção que afetou particularmente a região do centro histórico (Cidade Velha) –, um decidido movimento de técnicos e cidadãos, apoiados pelos meios de comunicação, provoca uma mudança histórica que consegue neutralizar aquele processo e desencadeia, até o momento, um lento, porém concreto ritmo de recuperação (1).

Em uma tentativa de avaliar estas ações implementadas a partir dos anos 80, a Cidade Velha de Montevidéu, pode ser lida hoje, junto à sua condição de núcleo original da cidade, como um núcleo conceitual da cidade, que procurou promover e priorizar (pela primeira vez em nosso meio), a reflexão e o trabalho sobre a cidade existente.

O lento processo, porém, aparentemente de caráter irreversível, não apresentou características de reabilitação decidida, no sentido de um movimento com investimentos de grande envergadura e progressivamente orientado nessa direção. A Cidade Velha tem conseguido controlar o seu patrimônio arquitetônico e seu perfil urbano, porém a sua população estável e suas funções continuam diminuindo.

Para o início do século XXI, recentes intervenções e políticas propostas pelo Plano Montevidéu para restituir à cidade a importância da Baía (2) e de seus vales imediatos, podem ser interpretados como o gesto urbano necessário para imprimir um impulso definitivo para a recuperação da península, recuperando seus vínculos históricos e sua condição original de cidade território.

História de um processo de desequilíbrios urbanos

O primeiro governador criollo das províncias do rio de la Plata, Hernando Arias de Saavedra (Hernandarias), tinha insistido à Coroa espanhola, sobre a oportunidade estratégica e militar de fundar um povoado na paisagem da Baía de Montevidéu. Frente a persistente indiferença por parte da Coroa, Hernandarias decidiu introduzir o gado, origem da riqueza posterior destas terras, considerada "sem nenhum proveito" para os colonizadores. O primeiro assentamento humano de caráter estável e urbano, foi construído pelos portugueses, quando fundaram Colonia del Sacramento em 1680, no marco de sua política de expansão além das fronteiras da linha de Tordesilhas.

A eminência de uma nova cidade portuguesa sobre a Baía de Montevidéu, quatro décadas depois, em 1724, constituiu a razão de sua fundação definitiva.

As exclusivas razões militares da criação de Montevidéu, implantada sobre a baía, determinaram a ampliação das Leis da Índia destinadas às cidades mediterrâneas, deixando de lado a sua condição original de porto natural. O processo para a fundação (1724-1730), não impediu porém, que sua primeira construção, o Forte do Governo (1724), ocupada hoje pela praça Zabala, fosse orientada de acordo com as normas das cidades porto, persistindo até o momento, intercalada, girada, no tabuleiro, denunciando a única ação colonial que a sua geografia colonial reconheceu.

Aquele primeiro gesto de planejador incluiu a si mesmo, no vale próximo à baía, sobre o riacho Miguelete, a demarcação de sítios para abastecer o povoado incipiente. A cidade fechada com muros estabeleceu assim, desde suas origens, seus vínculos com o território circundante e o processo urbano que se implementou, integrou aquela estrutura de caminhos e zonas do campo da cidade território original.

A demolição das muralhas (1829), expressou o fim do poder colonial (em um ato emblemático de independência política e de aspiração à modernidade) e permitiu definir o tabuleiro territorial que deu lugar à cidade moderna. A expansão urbana ilimitada facilitou no imaginário social a idéia de uma cidade independente (aberta) que nascia em simultâneo e sob o amparo de uma nação recém fundada.

Em Montevidéu, a cidade moderna, não será associada à reforma da cidade histórica, como acontece para a maioria dos casos das cidades européias (3), mas sim, será associada à sua extensão sobre o território.

Em particular, as quadras contidas dentro das muralhas, foram conformando o que no meados do século passado começou a denominar-se "Cidade Velha", para diferenciá-la do traçado da primeira expansão da cidade, designada como "Cidade Nova". Durante o início da república, porém, o exercício cívico continuou a ser realizado dentro dos âmbitos do traçado colonial, enquanto que a baía e os vales de seus riachos mantiveram as suas geografias originais.

A partir da década de 70, a cidade começa a mostrar a sua modernização, por meio de diversas ações. O primeiro parque público da cidade, (Paseo del Prado, 1873) é criado a partir de um célebre jardim particular (Quinta del Buen Retiro) localizado no vale do Miguelete, e as demolições de algumas construções coloniais geraram outros espaços públicos (plaza Zabala) e a articulação entre a "Cidade Velha" e a "Cidade Nova" (plaza Independencia). Em 1891 o paisagista francês André realiza o "Projeto de transformação e embelezamento da cidade de Montevidéu" incorporando ideologias higienistas na cultura urbana. Os espaços de significado cívico, transcendem os limites coloniais e começa a se consolidar um eixo que hoje mantém o seu valor simbólico: 18 de Julio, a principal avenida.

A sede do governo nacional se localiza na "plaza Independencia" e a do parlamento nacional é construída na zona de la Aguada (1901-1925). Por outro lado, são instalados os primeiros serviços urbanos, com destaque para uma rede completa de traçados viários. Finalmente, o acelerado aumento da população nesse período (migrações internas, contingentes importantes de imigrantes e crescimento vegetativo ) é capitalizado pela ação dos primeiros especuladores imobiliários (fundamentalmente Francisco Piria), cujos loteamentos materializam a expansão da cidade.

O desenho do bulevar de circulação (1878) resultará a "Cidade Novíssima", definida ainda dentro dos limites das áreas urbanas principais.

Finalmente, a implantação da estação central de trem na praia de la Aguada propiciou as primeiras intervenções em terras ocupadas sobre o mar, começando a desfigurar o vínculo da cidade com a baía (1870-1897). Por outro lado, desencadeia-se um processo em direção à uma funcionalidade urbana específica, quando se iniciam as obras do porto novo (1901-1909). Esse processo, que corta a relação entre a cidade e a baía, modificará substancialmente a tendência urbana vigente até hoje.

Simultaneamente, os primitivos "solares del pueblo", que haviam conformado a Cidade Velha, mantiveram sua presença e seu significado, consolidando o seu papel de centro nos âmbitos residencial, institucional, cultural, comercial e financeiro, incorporando a seu relato original, novas linguagens e perfis que configuraram uma fisionomia de contexto nutrida de tempos, imagens e mensagens de significado ainda vigente para a comunidade.

Os anos 20

A década de 20, confirma as tendências urbanas sugeridas no período anterior. O Palácio Salvo começa a ser construído (1922-1928) sobre a plaza Independencia e a avenida 18 de Julio, iniciando a "verticalização" da cidade com uma referência urbana ainda hoje presente.

As normas de higiene (1928) que habilitam as novas tipologias de habitação, são modificadas pelo Plano Fabini (1928) e pelas primeiras operações de seção da trama viária (avenida de la Agraciada).

Em 1930, o plano para uma cidade de 3 milhões de habitantes (arq. Mauricio Cravotto) constitui a primeira expressão de negação da cidade existente (4).

O período de hegemonia do art déco (1925-1935), habilita o ingresso definitivo da corrente arquitetônica renovadora em nosso meio (5) e a predomínio da cidade balneária que impregna este período promove a construção das ramblas Sul, Ramirez e Pocitos, proporcionando importância urbana à costa sudeste da cidade.

Nestes anos, a localização descentralizada da Cidade Velha com relação ao desenvolvimento de Montevidéu, como também a utilização quase exclusiva da área da baía para serviços portuários, consolida a paulatina descaracterização daquela primeira fisionomia integradora "baía-cidade". A tendência em direção à uma especulação funcional destinada ao setor terciário, foi acompanhada pela perda da população estável (as famílias residentes na Cidade Velha emigram em direção à costa leste da cidade) e por uma lenta e crescente degradação física, produto da substituição social de seus habitantes. O novo espaço dinâmico de desenvolvimento urbano é construído através da rambla de los Pocitos: a cidade do século XX ignorou radicalmente a cidade mediterrânea e a da baía.

Em 1956, é aprovado o primeiro Plano Diretor para a cidade, de acordo com as idéias sugeridas no plano de 1930. A ampliação parcial de sua ideologia essencialmente CIAM (o plano nunca será aplicado como pensamento totalizador), modificará as qualidades da cidade existente.

A cidade silenciada se mobiliza

No fim da década de 70 e no começo dos anos 80, a crise da cidade existente chegou ao seu estado mais agudo. A conjuntura do país e da cidade de Montevidéu estava definida, desde junho de 1973, por um marco de caráter ditatorial político e institucional, por um contexto econômico neoliberal e por uma crescente deterioração de seu meio ambiente urbano. Um boom da construção, propiciado pela desenfreada especulação imobiliária e favorecido pelo fato de que diversos imóveis deixarem de ter o caráter de Monumentos Históricos, originou desaparecimentos drásticos do patrimônio arquitetônico e urbanístico. A situação tipológica, protagonizou quase que com exclusividade a construção da cidade durante esse período.

Por outro lado, o cenário de um país silenciado pelo autoritarismo criou diversas "culturas de resistência", procurando o apoio da comunidade para reivindicações de interesse coletivo. A decidida mobilização iniciada em 1980, em relação à esta situação crítica, focalizada na Cidade Velha (a zona mais afetada e de maior significado como identidade para os habitantes da cidade), criou um espaço de revitalização democrática vital, aonde estiveram envolvidos cidadãos e técnicos reclamando respostas por parte dos administradores da cidade (6). A ação de denúncia, implicou, em contrapartida, a promoção dos valores da cidade existente.

Simultaneamente, foram elaborados e submetidos a consideração pública conceitos e instrumentos de gestão para operar nessa conjuntura, transcendendo desde seus inícios, a valorização do monumento, para promover o patrimônio de contextos urbanos e a reabilitação, como um ato de construção de cidade.

A natureza de comunicação dessa mobilização inicial (7) derivou em uma efetiva operação cultural, conseguindo alcançar uma consciência coletiva com relação a potencialidade da cidade existente. Ao mesmo tempo, conseguiu uma apropriação em consenso dessas ferramentas propostas por parte dos técnicos, cidadãos, associações de cidadãos, meios de comunicação e autoridades.

O decreto municipal de Julho de 1982, pelo qual a Prefeitura de Montevidéu declarou de "interesse municipal manter e valorizar o caráter de testemunha que possuem as construções e contextos urbanos que conformam a Cidade Velha de Montevidéu" e pelo qual se criou a chamada Comissão Especial Permanente da Cidade Velha, com o propósito de "promover e coordenar todas as intervenções para a área", constituiu o primeiro instrumento de intervenção na cidade existente, aplicada a seu centro histórico. Criada durante os últimos anos do regime ditatorial, assumiu a gestão da área desde uma visão integral de sua revitalização; permitiu iniciar as primeiras ações de interesse (inventário básico de seus imóveis e sua classificação) e realizou os primeiros projetos de requalificação do espaço público (projeto para pedestres de Pérez Castellano). Muitos cartazes de demolição começaram a ser substituídos por sensatas intervenções de reciclagem ou novas obras.

Controle e gestão do território

Com o restabelecimento das instituições democráticas (1985), são criados os instrumentos de crédito e regulamentares que viabilizam a utilização do estoque habitacional existente como política alternativa de moradia para toda a cidade. A Prefeitura Municipal de Montevidéu elabora uma regulamentação especial para reciclagens que flexibiliza as normas de habitabilidade estabelecidas (áreas, dimensões de vãos, alturas, condições de ventilação e iluminação, etc...) e por sua vez o Banco Hipotecário estabelece uma linha de créditos para esta modalidade de construção, enquanto que a nova obra é incentivada através da linha "preço-projeto-terreno", criada com a finalidade de construir nos prédios vazios.

A Cidade Velha de Montevidéu, em particular, é declarada Área de Intervenção Urbana Prioritária por parte de ambas instituições, com o objetivo de favorecer com créditos mais acessíveis, intervenções destinadas ao setor habitacional, um dos fatores chave para a reabilitação da zona.

É nesta nova conjuntura da cidade, que uma equipe de arquitetos ganha, ainda fora das bases do concurso público, e em meio de muitas dificuldades, um dos chamados para a linha "preço-projeto-terreno" (destinada à moradia), propondo a reabilitação de uma antiga fábrica de cerveja localizada na zona de la Aguada (área degradada próxima à baía), justificando o seu menor custo em relação à nova obra, que deveria ser realizada no terreno aberto pela demolição do edifício existente (8).

A valorização do centro histórico da cidade e da cidade histórica como conceito, repercute interesse por outras áreas da cidade, caracterizadas por outros significados urbanos, ambientais e culturais. A revisão do Plano Diretor de 1956, que também tem lugar durante aqueles anos (1982) – e que havia proposto "definir ordenamentos urbanísticos próprios para cada área caracterizada da cidade" –, promove o aprofundamento do conhecimento da cidade existente.

Com relação aos elementos de gestão, os resultados animadores derivados das ações de controle e recuperação implementados na Cidade Velha pela gestão de sua Comissão Especial Permanente, ferramenta sugerida inicialmente no núcleo original da planta urbana, será validada e consolidada por sucessivas administrações, para outras áreas da cidade. Em 1990 é criado o Conselho Auxiliar de los Pocitos e a Comissão Especial Permanente de Carrasco e Punta Gorda, duas zonas sobre a costa de significativo valor patrimonial e paisagístico; e em 1991 é criada a Comissão Especial Permanente del Prado, outra zona de grande significado histórico, arquitetônico e ambiental para Montevidéu. Finalmente a área rural do departamento de Montevidéu, também se apresentou como elemento da criação de uma quinta comissão especial permanente, para preservar paisagens originais, sua área de produção agrícola e os limites da cidade.

As Comissões Especiais Permanentes, possuem a sua base ideológica, como instrumentos de regulamentação urbana, numa gestão descentralizada da cidade por um lado, e, por outro, no reconhecimento da cidade como uma entidade integrada por diversidades, superando anteriores visões uniformizadoras e totalitárias, negadoras da cidade existente. Estes instrumentos atendem as zonas consideradas muito críticas: áreas da cidade com qualidades absolutamente incomuns e singulares, cobiçadas pelo capital imobiliário em busca de terrenos propícios para edificações mais lucrativas. O conceito tradicional de normativa abstrata e geral se transforma com o objetivo de salvaguardar os valores preexistentes e, simultaneamente, permitir a mudança e o desenvolvimento da cidade. A normativa é um ponto de referência nestas zonas, cuja aplicação é estudada caso a caso, atendendo ao que se refere à qualidade das intervenções. Este aspecto é o que rege precisamente uma gestão particularizada e flexível.

Estas comissões, de caráter técnico e honorário, são integradas por figuras relevantes e representativas de diversos âmbitos: profissionais, culturais, universitárias, municipais e também vizinhos. A pluralidade e amplitude de sua integração é uma garantia de transparência da gestão em temas onde estão envolvidos importantes interesses e, em alguns casos, contrapostos.

Visões desde os anos 90

Montevidéu é hoje uma das cidades mais preservadas da América Latina. Cinco comissões controlam as suas áreas mais características e uma normativa especial de alturas regula as mesmas, contemplando diferentes aspectos da cidade. Existem aproximadamente 600 imóveis protegidos com a classificação de Monumentos Históricos Nacionais (totalizando 200.000 itens) e o governo da cidade somou a isso a proteção de mais 65, enquanto protege um determinado número de exemplares vegetais, iniciando a preservação de seu acervo verde.

Com esse controle urbano por parte de seus governantes e seus habitantes, uma demolição controversa ou uma mudança da paisagem não convincente pode gerar questões polêmicas na mídia e provocar assembléias convocadas pelos Conselhos de Vizinhança, com poderes advindos da descentralização política e social implementada a partir de 1990.

Centrado o olhar na nova Cidade Velha, a mudança qualitativa na questão cultural é evidente. As reabilitações e reciclagens se concretizam com criatividade, assinalando seu gesto contemporâneo e a nova obra se incorpora ao qualificado perfil eclético de seu centro histórico, no qual dialogam de uma forma harmônica – sobre o traçado colonial e sobre alguns de seus restos arquitetônicos – o ecletismo do século XX, o modernismo, o art déco e a arquitetura renovadora dos anos 30, junto a qualificadas intervenções contemporâneas. O espaço público, por sua vez, continua adequando-se a novas demandas (pedestrianização das ruas Sarandí, Bacacay, Plaza Matríz, etc...).

No marco de uma concepção integral, a melhoria da qualidade de vida dos setores residenciais (em particular aqueles que apresentam baixos recursos) e a promoção da moradia, como fator chave da revitalização, constituíram desde o começo elementos fundamentais. As linhas de crédito para reciclagem anteriormente citadas, porém, não puderam contemplar a situação dos setores de baixas rendas residentes na área – com pouca ou nenhuma capacidade de economia –, e estes têm sido parcialmente desalojados. A gestão da chamada "Casa Verde" (9) permitiu, contudo, viabilizar a modalidade de "ajuda mútua" para este setores, habilitando a implementação de um Plano de Reabilitação Urbana por parte da Prefeitura Municipal de Montevidéu. Implementadas com o caráter de "experiência piloto", não puderam se estabelecer ainda como linhas de trabalho estáveis.

A Cidade Velha, por outro lado, continua perdendo população estável (10) e funções comerciais (com exceção do setor financeiro), acompanhada nesse processo pela degradação de outras área centrais da cidade (às quais territorialmente pertence) e pelos vales da baía. O agudo crescimento da marginalidade e a violência urbana constituem fenômenos decorrentes deste fenômeno.

Quando a Cidade Velha iniciou a sua reabilitação, Montevidéu em seu conjunto carecia de um plano territorial global. Hoje, o Plano Montevidéu, após 5 anos de elaboração, está sendo aprovado pela Junta Departamental, constituindo o primeiro plano pensado para a cidade e disposto a ser aplicado. Contém entre as sua prioridades, a restituição da importância fundamental da baía como epicentro urbano (11).

Atualmente pode ser apreciado um incremento de determinadas atividades na Cidade Velha (foi construída uma quantidade significativa de restaurantes e lanchonetes, que incluem eventos de caráter cultural e turístico), acompanhado por um aumento paralelo da atividade imobiliária. Mesmo sem os suficientes elementos para afirmá-lo, estes acontecimentos poderiam ser interpretados como indícios de mudanças que tendem a potencializar a zona como lugar turístico e de lazer (local, nacional e internacional).

Perguntas à cidade território

A análise da situação atual, evidencia uma significativa concentração de elementos e ações na cidade por parte de diferentes atores e em diversas direções. Os instrumentos de gestão, dos quais dispõem a cidadania (Conselhos de Vizinhança) contam também com um plano criado pelo governo municipal que propõem novamente estabelecer um equilíbrio na cidade e restituir a sua centralidade. Por sua vez, uma iniciativa do governo nacional (12), intervém em uma área central vinculada à baía, somando esforços estatais na mesma direção. Contudo, o setor privado propõe uma intervenção de grande envergadura, aparentemente oposta às intenções estatais de localização de serviços: um "complexo empresarial" (World Trade Center) está terminando de ser construído sobre a costa da cidade (Pocitos), concebido por seus promotores com uma idéia que tende a "descentralizar Montevidéu, oferecendo às pessoas a possibilidade de trabalhar fora do centro da cidade..." (13). O responsável pelo programa administra três dos quatro principais "shoppings" da cidade. Quando foi instalado um deles – o "Montevidéu Shopping" – nas proximidades do novo "complexo empresarial", a zona constituía um tranqüilo bairro residencial frente à enseada de um pequeno porto de transporte. Hoje aborda um acelerado processo de terceirização, e muitas das habitações são transformadas em lugares comerciais.

Junto a este silencioso embate entre poderes se apresenta uma polêmica pública em torno dos aspectos de preservação urbanas contidos no Plano Montevidéu (únicos aspectos deste Plano questionados publicamente), polêmica acalentada pela Associação de Promotores Privados do Uruguai.

Mesmo quando se tem consolidado o vínculo afetivo com a cidade existente e têm se desenvolvido determinados instrumentos democráticos de gestão urbana, agravou-se o conflito de interesses em torno do poder sobre a cidade. O período de tempo exigido por um Plano – por mais curtos que pareçam – são sempre maiores que os esperados pelos agentes financeiros para introduzir mudanças reais e substanciais na cidade.

Desta forma é que o tempo de elaboração e aprovação do Plano Montevidéu – decidido a restabelecer o equilíbrio na cidade – foi desenvolvido paralelamente à concepção e execução de obras privadas que competem com esta intenção, com o citado complexo empresarial. As intenções sobre a baía recentemente começaram a ser concebidas. O projeto pioneiro do complexo Cuareim, na Aguada, iniciado 1988, conseguiu finalizar suas obras 10 anos mais tarde. Montevidéu estaria controlada e pensada por planos e instrumentos, mas por enquanto, Montevidéu também se apresenta em movimento.

Será possível conciliar vontade de planejamento estatal, pluralismo democrático e ação direta de inversões privadas?

Tradução Diego Wisnivesky

notas

1
Gestão da promoção do patrimônio arquitetônico e urbanístico de nossa cidade, realizada pelo Grupo de Estudios Urbanos, formado por estudantes e arquitetos a partir de 1980; dirigida ao grande público, realiza-se com a exibição de audiovisuais, mesas redondas e investigações relativas à temática.

2
GILMET, Hugo. "Baía de Montevidéu. Área de desenvolvimento do Plano Diretor Territorial" in Arquitextos 10.02, São Paulo, março 2001.

3
SPRECHMANN, Thomas e outros. Propuestas a la Ciudad. Taller de Investigaciones Urbanas y Regionales. Montevideo, 1986.

4
Idem, ibidem.

5
ARANA, Mariano; PONTE, Cecilia; MAZZINI, Andrés; SCHELOTTO, Salvador. Arquitectura y Diseño Art Déco en el Uruguay, Editorial Dos Puntos, Montevideo, 1998 (no prelo).

6
Grupo de Estudios Urbanos, a partir de 1980.

7
Os esforços iniciais de comunicação realizados pelo Grupo de Estudios Urbanos aconteceu mediante a realização de dois audiovisuais ("Una Ciudad sin Memoria", de 1980 y "¿A quién le importa la Ciudad?", de 1983), os quais foram exibidos com freqüência entre 1980 e 1985, em diferentes locais (clubes de bairro, paróquias, institutos de ensino, casas de família, etc…), com discussão e intercâmbio posterior com o público. Os audiovisuais eram exibidos, às vezes, até duas ou três vezes por dia e várias vezes na semana, principalmente entre 1980-1983.

8
Conjunto Habitacional Cuareim. Arqs. Nelson Inda, Horacio Pardiño Rodriguez, Juan Carlos Apolo, Martín Boga, Alvaro Cayón, Gustavo Vera Ocampo. Bairro La Aguada, Montevidéu, 1988 (projeto); 1998 (inauguração). Ver ARANA, Mariano. "Redescobrir a cidade esquecida", Texto Especial 087, São Paulo, julho 2001.

9
PIÑEYRO, Pilar Pérez. "A cidade: um ponto de partida para a habitação" in Óculum nº 7/8, Campinas, 1996.

10
O VII Censo Geral da População, III de Lugares e V de Habitações, realizado em 1996, registrou uma população de 15.805 habitantes; aproximadamente metade da população registrada no censo de 1908. A ausência de censos nacionais realizados entre 1908 e 1963, impedem uma análise mais exaustiva sobre os movimentos demográficos na Cidade Velha. De qualquer modo, o último censo registrou, na Cidade Velha, expressivo crescimento populacional negativo, com mais de 20% de redução de sua população ocorrido no período entre censos de 1985-1996.

11
GILMET, Hugo. op cit.

12
Idem, ibidem.

13
CASARETTO, Sonia. "El World Trade Center ya es una realidad" in revista El Mundo de Volt. Montevideo, maio 1998 (entrevista com o diretor do Estúdio Luis A. Lecueder, Empresa Administradora de Montevidéu Shopping Center, Tres Cruces, Portones Shopping y el World Trade Center).

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entrevistas

Arquiteto Francisco Bonilla, Secretário Executivo da Comissão Especial Permanente da Cidade Velha de Montevidéu.

Sr. Carámbula, Secretário da Comissão Especial Delegada do Zonal 1 da Cidade de Montevidéu (Cidade Velha).

Arquiteta Elena Mazzini, Presidenta interina da Comissão Especial Permanente do Prado da Cidade de Montevidéu.

Arquiteto Nelson Inda, co-autor do projeto "Conjunto Habitacional Cuareim" no bairro de Aguada. Ex-Diretor da Divisão de Planificação Territorial. Prefeitura Municipal de Montevidéu (1991-1997).

Arquiteto Fernando Pollio, corretor de Bolsa de Valores localizada na Cidade Velha de Montevidéu.

sobre o autor

Maria del Pilar Perez Piñeyro é escritora e jornalista especializada em temas urbanos, com cursos realizados na Faculdade de Arquitetura do Uruguai. É membro fundadora do Grupo de Estudos Urbanos desde 1980 e ex-integrante do Setor Habitação do CCU (1980-85). Participou na elaboração do Guia da Ciudad Vieja de Montevideo (1982) e da pesquisa Propuesta de rehabilitación de antiguas viviendas en la Ciudad Vieja de Montevideo. Colunista da revista Tres, de Montevideo e colabora com diversas revistas latino-americanas

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