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TEIXEIRA, Carlos M. Alphaville e Alphaville. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 021.02, Vitruvius, fev. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.021/808>.

O condomínio Alphaville São Paulo foi lançado em 1974 nos municípios de Barueri e Santana, a cerca de 30 km da região dos Jardins, em São Paulo, e é hoje uma comunidade de 30.000 habitantes espalhados em 15 residenciais. Em 1997 a receita foi levada para Campinas; em 1998, para Belo Horizonte; e em 2000, para Curitiba. Goiânia, Salvador, e Sintra, em Portugal, também terão um Alphaville em breve. O nome é uma citação não intencional (ou uma contraposição, nas palavras dos empreendedores) do filme homônimo de Jean-Luc Godard, lançado no auge da carreira do diretor (Alphaville, França, 1965). A Alphaville de Godard é uma comunidade dominada por um computador, Alpha-60, que controla todos os acontecimentos e toda liberdade de expressão de seus habitantes. Alphaville só existe à noite. Lá, a palavra bíblia quer dizer dicionário, e neste dicionário palavras como “livre” e “consciência” não existem. No Centro, há um enorme prédio modernista de vidro e concreto que tem corredores super compridos e cheios de portas, e é nele onde está instalado o super computador Alpha-60. Todos os homens usam ternos, não há artistas e todo “comportamento ilógico”, como chorar ou gritar, foi proibido. As mulheres são como gueixas japonesas treinadas para agradar e dizem “obrigado, de nada” sem parar. Tudo na cidade é chato e controlado: a arquitetura, as pessoas, as ruas, o Alpha-60 e o próprio filme.

Há poucos anos um filme menos pretensioso mas carregado de metáforas foi lançado pela Paramount Pictures, “O show de Truman, o show da vida” (The Truman Show, EUA, 1998). Truman Burbank vive uma existência tranqüila e ideal. Ele é casado, tem um bom emprego numa seguradora, um carro e uma casa em estilo vitoriano. O que ele não sabe é que sua vida é um interminável filme transmitido 24 horas por dia e 365 dias por ano, sempre orquestrado por um Big Brother de nome Cristof em um ambiente totalmente simulado para um programa de televisão. No rádio do carro de Truman há uma câmara; no retrovisor, outra; no espelho de seu banheiro, mais uma; e assim por diante. Toda a privacidade de Truman é vendida para uma rede de TV produzir um programa que fatura, segundo o roteiro do filme, mais que o PIB de países pequenos. Sátira do poder da mídia e da vida nos subúrbios dos Estados Unidos, O Show de Truman se passa na imaginária cidade de Seaheaven, cheia de alegres casas de madeira, jardins parecidos e bem cuidados e onde também estão 5.000 câmaras de vídeo camufladas voltadas para Truman. Todos os habitantes na verdade são atores. As ruas são estreitas e fazem curvas suaves, as árvores não são nem muito grandes nem muito pequenas, as cores das fachadas apresentam educados tons pastéis, e tudo parece estar na mais harmoniosa felicidade americana. As coisas são perfeitas a ponto de se parecerem com um enorme cenário onde se desenrola a vida de Truman, mas o filme na verdade foi todo rodado no condomínio de férias Seaside, situado na costa da Flórida e projetado em 1982 por um casal de arquitetos de Miami.

O plano diretor da dupla ditava regras gerais para as proporções das casas, materiais admissíveis, determinava a posição e o estilo dos elementos arquitetônicos (como pórticos na entrada, janelas altas e estreitas), etc. Depois de alcançar estrondoso sucesso comercial, Seaside tornou-se o ícone do Novo Urbanismo, que semelha o subúrbio americano convencional, porém com usos mistos e densidade mais alta (usos residencial, comercial, etc. misturados em lotes menores e em quadras próximas), além de estar bem isolado dos outros condomínios. Em 1997, foi a vez da Disney Corporation inaugurar um condomínio na Flórida, “Celebration”. Dimensionado para 20 mil habitantes, já contava há pouco com cerca de 500 famílias que moram como em qualquer outro parque de diversões da Disney. Tudo aqui foi cuidadosamente projetado para a satisfação dos visitantes (ou, no caso, moradores), inclusive o script de todos os atores (ou, no caso, moradores). Os profissionais liberais que vão aos poucos se mudando para Celebration não podem sequer alterar os jardins de suas casas e abrem mão da liberdade em nome da promessa de felicidade, de segurança e do mundo encantado da Disneylândia (1).

Segundo seus defensores, condomínios desse tipo estariam promovendo mais interações de vizinhança (ao misturar usos) e diminuindo a histórica dependência do automóvel nos EUA (ao diminuir as viagens casa-trabalho). Outra defesa convincente dos novos urbanistas é o fato de que o aumento de densidade nos subúrbios protege áreas cultivadas e reservas naturais da ameaça que tem sido o modelo suburbano americano, de densidade mais baixa e sempre só com uso residencial. Por outro lado, o Novo Urbanismo está associado ao aumento significativo do número de condomínios fechados e policiados, ao conservadorismo estilístico, ao analfabetismo político e uma imagem geral de intolerância, além de se dirigir apenas à classe média branca norte-americana, deixando de fora os sempre excluídos naquele país (negros, imigrantes, etc).

Todos estes prós e contras são verdade. Mas a mais interessante análise sobre Seaside já foi feita pelo cinema, restando pouco a complementar. Seaside e Alphavilles são condomínios modelos desnudados pelo show de Truman, o show que mostra o futuro e o presente das classes afluentes. O cinema monta cenários que nos remetem à realidade, mas em Seaside a realidade de um condomínio é que virou o cenário de um filme. E não só no condomínio real esses conceitos se confundem. Como notou o crítico Luis Fernández-Galiano, o próprio nome da personagem denuncia a mistura confusa entre realidade e ficção: o “homem de verdade” – Truman ou true man – tem o cínico sobrenome de Burbank, no Vale de São Fernando, onde estão os maiores estúdios de cinema e televisão de Los Angeles: The Burbank Studios, da Warner Bros. e Columbia Pictures; o Universal Studios, cuja visita é uma das principais atrações de Los Angeles; e os Studios Disney. Só a ficção nos traz a realidade, só os muros nos trazem a liberdade, só as câmaras nos trazem a privacidade. Como nas ficções onde fantasia e pesadelo se confundem, como no prazer de ser controlado ao invés de participar de decisões, como num mundo surreal de prisioneiros voluntários que preferem não enxergar a porta de saída. A Seaside de Truman e os Alphavilles são cenários frágeis que foram erguidos sobre a dureza da realidade. São os condomínios da Barra da Tijuca, é uma propaganda de duas páginas no caderno de anúncios, é o reduto dos auto-exilados que nunca se sentem exilados o bastante.

“Os ingleses construíram, os americanos projetaram, e você vai comprar”, dizia o folheto promocional de Alphaville Lagoa dos Ingleses, em Belo Horizonte, projetado pelo escritório californiano SWA Group. Talvez essa admiração tão caipira pelos modelos americanos e essa apatia geral sejam o pesadelo que Godard filmaria se Alphaville, o filme, fosse refeito hoje. Em 1965 – tempos bem menos frouxos e mais revoltos que este nosso – o alvo preferido dos críticos de arquitetura eram os edifícios de escritório monótonos que negavam qualquer herança histórica. Hoje, aquela paisagem de prédios inexpressivos do filme Alphaville está sendo substituída por outro pavor: o historicismo banal dos condomínios de arquitetura americanizada e que são regidos por Alphas-60 e Cristofs cada vez mais invisíveis.

Quando lançado, Alphaville Lagoa dos Ingleses foi um sucesso comercial estrondoso: todos os 1.500 lotes vendidos em dois dias. Mas não deixa de ser irônico que até o momento quase não se vê casas em construção em seus lotes residenciais. Nessa oferta fictícia de uma nova forma de viver, Alphaville está para as cidades assim como a imagem de uma bola de chumbo atada na perna de um prisioneiro: para fugir, ele precisa se livrar do peso da bola, mas tudo que consegue fazer é retirar finas camadas de chumbo com um prego enferrujado.

notas

1
Sobre condomínios americanos contemporâneos, ver também os seguintes textos publicados no portal Vitruvius, ambos de Fernando Lara:

LARA, Fernando. "Vizinhos do Pateta". Arquitextos n° 11.02. São Paulo, Portal Vitruvius, abril 2001 <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq011/arq011_02.asp>.

LARA, Fernando. "Admirável Urbanismo Novo". Arquitextos, Texto Especial n° 56, São Paulo, Portal Vitruvius, fevereiro 2001 <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp056.asp>.

sobre o autor

Carlos M Teixeira é arquiteto em Belo Horizonte e autor do livro "Em obras: história do vazio em Belo Horizonte".

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